À medida que o uso do dinheiro em espécie diminui nas principais economias, que fatores os bancos centrais devem levar em conta para desenvolver moedas digitais que beneficiem tanto os usuários quanto os bancos? E como elas funcionarão paralelamente às criptomoedas existentes?
- Uma moeda digital de um banco central (Central Bank Digital Currency ou CBDC) é, como o próprio nome diz, uma forma de dinheiro virtual emitida e garantida por um determinado banco central (BC). Atualmente, vários fatores estão influenciando os BCs a desenvolver suas próprias moedas digitais.
- Há várias considerações a serem feitas pelos bancos centrais ao projetar e adotar uma moeda digital. As implicações para o setor de bancos comerciais é uma delas.
- Uma CBDC tem a capacidade de operar em paralelo às criptomoedas existentes, que são de emissão privada. Além disso, muitas das questões relativas à adoção de CBDCs são as mesmas enfrentadas no atual mercado de criptomoedas.
Atualmente, 81 países, que representam mais de 90% do PIB global, já estudam emitir suas CBDCs, segundo dados do rastreador de CBDC do Atlantic Council.
Pode-se dizer que esse interesse vem sendo impulsionado pelos seguintes fatores:
- Utilização cada vez menor de dinheiro em espécie, à medida que mais economias e consumidores adotam métodos de pagamento eletrônico, como cartões de crédito e gateways de pagamento.
- Aprimoramento dos sistemas de pagamento de atacado e varejo, o que torna as transferências internacionais muito mais rápidas e menos arriscadas.
- Benefícos percebidos pelas economias em desenvolvimento ao eliminar moedas de baixo valor de seus sistemas, já que elas são caras e de difícil manutenção.
- A percepção de que se o dinheiro eletrônico privado for mais amplamente aceito do que a moeda de um banco central, as pessoas que têm fundos do governo estarão em desvantagem em relação àquelas que recebem o dinheiro privado. Isso pode impactar a política monetária e a estabilidade financeira dos países.
Como desenvolver uma moeda digital
Os bancos centrais que desejam emitir uma CBDC precisam, antes de mais nada, considerar quem deverá ter acesso à moeda. É crucial que uma CBDC tenha todas as características de uma moeda fiduciária. E, para um BC atuar como contraparte central (CCP), é preciso haver interoperabilidade entre a moeda fiduciária e a CBDC.
Uma CBDC tem que ser amplamente aceita e reconhecida como moeda de curso legal no país. Ao emitir uma CBDC, o BC deve garantir a conversibilidade entre as moedas fiduciária e digital.
O grau de anonimato também é uma consideração importante. Argumenta-se que uma CBDC traz um certo grau de anonimato aos pagamentos eletrônicos, como o que é proporcionado pelo dinheiro em espécie. O anonimato completo, entretanto, não é uma característica aceitável em uma CBDC.
Os bancos centrais ainda têm de decidir se uma CBDC deve ter características que rendam juros. O titular da CBDC não deve ser autorizado pelo BC a conceder facilidades de crédito.
Desafios da adoção de uma CBDC
Bancos e instituições financeiras não bancárias serão impactados por um banco central que emita uma CBDC.
Haverá implicações para o setor financeiro como um todo, uma vez que os depósitos serão transferidos dos bancos comerciais para os BCS, reduzindo assim o tamanho agregado dos balanços do setor bancário.
E, a fim de se manterem competitivos, os bancos comerciais certamente precisarão inovar. Eles poderão oferecer taxas de juros ou depósitos bancários mais atrativos, o que pode levar ao aumento das taxas de empréstimo, afetando pequenas e médias empresas (SMEs).
Também é provável que os bancos comerciais optem pela tomada de empréstimos no exterior para financiar suas operações, expondo o setor bancário sob sua jurisdição a fatores externos.
Embora alguns países já tenham assumido a liderança sobre quais tecnologias serão usadas para implementar as CBDC –seja por meio de um banco de dados centralizado ou de DLT (distributed ledger technology) —, há aqueles que ainda precisam decidir como adaptar a infraestrutura atual às moedas digitais, e como integrar um sistema ao outro.
Assista: The Rise of Central Bank Digital Currency – Data on the Data
Coexistência com as atuais criptomoedas
O apetite dos BCs por moedas digitais decorre de uma crescente conscientização do público sobre as criptomoedas e suas aplicações na vida cotidiana.
Do ponto de vista de um banco central, o uso de uma moeda digital significa que os pagamentos internacionais podem ser liquidados mais rapidamente, e o custo de liquidação, reduzido, o que contribuiria de forma significativa para a eficiência do fluxo de trabalho.
Haveria ainda um impacto benéfico sobre a inclusão financeira de muitas economias emergentes, já que elas contariam com maior acesso a serviços, eficiência nos pagamento e redução de custos.
Não há dúvida de que, muito em breve, as CBDCs se tornarão uma realidade. E as infraestruturas para apoiá-las provavelmente serão baseadas em sistemas DLT já existentes, desenvolvidos com as atuais criptomoedas que operam em um espaço financeiro descentralizado. Mas, como acontece com os mercados privados, as questões de confiança, custo e velocidade de transação serão fundamentais para a sua ampla adoção.
Não há razão para que as CBDCs e as criptomoedas emitidas de forma privada não possam coexistir. No entanto, deve-se notar que, no caso de criptomoedas de emissão privada, existe um nível relativamente alto de risco de contraparte.
Assim, a evolução de ambos os mercados ainda depende da adoção contínua dessas moedas pelo grande público, combinada a um maior escopo regulatório e a uma política monetária que deverá ser estruturada de acordo com as necessidades.