Mesmo em meio aos desafios impostos pela maior crise de saúde de pública em mais de um século, o ano passado provou ser um divisor de águas para as finanças sustentáveis, colocando o setor em um ritmo de crescimento sólido. De agora em diante, no entanto, é preciso focar nas barreiras que ainda impedem que esse mercado alcance seu máximo potencial.
- O ano de 2021 foi excepcional para os títulos sustentáveis, incluindo os verdes e os sociais.
- Ainda há pouco consenso sobre os dados ESG, o que faz com que, em grande parte do mundo, a divulgação seja voluntária. Isso, contudo, parece estar mudando.
- A comunidade de finanças sustentáveis tem uma série de desafios pela frente, como apoiar as chamadas indústrias carbono intensivas a reduzir suas emissões de CO2.
Para que o setor de finanças sustentáveis siga em sua rota de crescimento, é preciso, antes de mais nada, abordar as contínuas dificuldades relacionadas aos dados ESG; identificar as melhores formas de financiar a transição climática; e estabelecer um alinhamento entre as jurisdições para atender aos investidores e stakeholders que buscam convergência regulatória.
Atual panorama das finanças sustentáveis
Antes de nos debruçarmos mais profundamente sobre esses desafios, é importante recordarmos o que foi alcançado até agora no mercado de finanças sustentáveis:
- A emissão de títulos sustentáveis ultrapassou US$ 1 trilhão pela primeira vez durante o ano de 2021 –um aumento de 45% em comparação a 2020, além de um recorde histórico. Como uma porcentagem dos rendimentos dos Debt Capital Markets (DCMs) globais, os títulos sustentáveis representaram 10% da atividade geral desse segmento em 2021, bem acima dos 6,6% do ano anterior.
- Ao longo de 2021, a emissão de títulos verdes totalizou US$ 488,8 bilhões, quase o dobro do patamar de 2020 e um recorde histórico. As categorias de títulos sustentáveis e sociais alcançaram as maiores marcas de todos os tempos no ano passado.
- Segundo dados da Lipper, ao longo de 2021 os ativos sob gestão (AUM) em fundos ESG aumentaram 17%, para US$ 7.018 bilhões –o que se compara a um crescimento de 12,7% no mercado geral de fundos. No ano passado, o fluxo de investimento em fundos ESG chegou a US$ 814 bilhões.
- Esse crescimento foi amparado pelo forte desempenho dos índices financeiros sustentáveis subjacentes. Por exemplo, o FTSE Environmental Opportunities 100, que concentra as maiores empresas globais com receitas significativas a partir da economia verde, teve um retorno de 22,5% no ano passado, quatro pontos percentuais à frente do FTSE Global All Cap.
- A atividade de fusões e aquisições envolvendo empresas sustentáveis somou US$ 196,5 bilhões ao longo de 2021, mais de três vezes os níveis de 2020 e (mais um) recorde histórico. Quase 1.275 negócios foram anunciados durante o ano passado, um aumento de 60% em comparação a 2020. Em relação a número de negócios, a China foi responsável por 26% do total da atividade nesse segmento em 2021, seguida pelos EUA (13%), Índia (7%) e Reino Unido (5%).
Os fatores que estão por trás desse crescimento não são surpresa para ninguém. A urgência de migrarmos para uma economia mais sustentável devido às mudanças climáticas não pode mais ser ignorada, e a pandemia de Covid-19 só ajudou a reforçar essa percepção.
Isso vem alimentando políticas e regulamentações governamentais em prol de resultados ambientais e sociais positivos. Paralelamente, a mudança das preferências dos consumidores e inovações tecnológicas e em modelos de negócios estão criando mercados para bens e serviços mais sustentáveis.
Combinados, todos esses fatores têm ajudado a persuadir os investidores de que um forte desempenho ambiental, social e de governança (ESG) é preditor de bom desempenho financeiro.
Diante desse cenário, não há dúvida de que o mercado financeiro sustentável continuará a crescer. No entanto, os desafios que ainda cercam o setor, vão ditar a velocidade e a maneira como isso vai ocorrer, além de quão rápido conseguiremos fazer a transição para uma economia global com baixo índice de carbono.
Consenso sobre dados ESG
Talvez o maior desafio enfrentado na arena de finanças sustentáveis seja a falta de padronização e disponibilidade de dados ESG prontamente acionáveis.
A falta de um padrão regulatório global para esses elementos faz com que a divulgação corporativa de fatores ESG seja voluntária e, consequentemente, desigual e inconsistente. Ou seja, as empresas escolhem quais dados relatar e se devem mesmo relatá-los.
Chegar a um consenso sobre os termos de divulgação ESG tem se mostrado algo ilusório, mas acredito que haja, sim, luz no fim do túnel.
Em novembro passado, a International Financial Reporting Standards Foundation anunciou a formação do International Sustainability Standards Board (ISSB). Esse conselho pretende desenvolver “uma linha de base global abrangente” para padrões de divulgação de sustentabilidade a fim de atender às necessidades de informação dos investidores. O ISSB já deve lançar seus primeiros padrões, que cobrirão divulgação climática, no segundo semestre deste ano.
Apesar de necessário, será bastante desafiador chegar a um consenso a partir da “sopa de letrinhas” que são as atuais estruturas e modelos existentes. É provável que esse seja um processo mais iterativo do que os defensores das finanças sustentáveis prefeririam. Mas, se o ISSB puder lançar as bases para uma divulgação corporativa ESG consistente e comparável, eliminará de vez uma das maiores desculpas que alguns investidores ainda usam para não se envolver com finanças sustentáveis.
Financiamento da transição para o net zero
Um segundo desafio enfrentado pela comunidade de finanças sustentáveis diz respeito ao seu papel no financiamento da mudança para uma economia global que seja net zero.
A questão aqui não é apenas impulsionar, de forma geral, um futuro mais verde. Identificar e investir na próxima geração de tecnologias que levem ao net zero tem se mostrado a parte mais difícil.
E uma das tarefas mais árduas é apoiar as empresas que são intensivas em carbono em sua transição para modelos de negócios mais sustentáveis –com drástica redução das emissões de gases de efeito estufa.
Afinal, com que rapidez os investidores devem exigir que as organizações se descarbonizem? E, como eles diferenciam entre uma transformação corporativa sincera, mas gradual, e o greenwashing, que visa somente a mascarar os negócios?
Por meio de iniciativas como o processo de benchmarking Climate Action 100+, investidores estão trabalhando juntos para realizar avaliações prospectivas de estratégias climáticas corporativas. E a produção de relatórios empresariais cada vez mais em linha com as recomendações da Força-Tarefa sobre Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima (TCFD) está ajudando a fornecer aos participantes do mercado os insights necessários para orientar as decisões de investimento. Além disso, taxonomias que incluem caminhos de transição estão sendo desenvolvidas, por exemplo, pela Força-Tarefa da Indústria Financeira Verde de Cingapura.
Esses esforços ajudarão a orientar empresas que têm modelos de negócios com uso intensivo de carbono a migrar para o net zero. Entretanto, ainda será necessário mais esforço para persuadir os investidores que já se guiam pela sustentabilidade de que eles podem ajudar a financiar esse processo de transição sem serem acusados de investir de má fé.
Alinhamento entre diferentes jurisdições
Há uma série de questões regulatórias que carecem de padronização, sobretudo em relação às definições –e isso vem sendo repetido por investidores e outros participantes do mercado.
As taxonomias, por exemplo, visam fornecer orientação sobre quais investimentos podem ser considerados verdes. Mas, temos tido notícia de inúmeras outras taxonomias que estão em desenvolvimento ao redor do mundo.
As implicações para os participantes do mercado financeiro são significativas, já que a maioria das organizações é global por natureza e opera além de suas fronteiras. Para essas companhias, ter que cumprir com várias “definições” regulatórias pode ser caro e arriscado, além de não oferecer a transparência necessária para se combater o greenwashing.
A maioria dessas taxonomias são elaboradas segundo os mesmos princípios: rigorosamente baseadas na ciência e adotando classificações dinâmicas que mudam à medida que a economia real se transforma. Essa pode ser uma base comum para o trabalho de taxonomia em todas as jurisdições, garantindo assim que o alinhamento regulatório seja alcançado e que o impulso visto no setor de investimento sustentável continue nos próximos anos.