Após os eventos históricos que sacudiram o mundo em 2020 –e agora com a nova administração na Casa Branca—, a primeira edição do ano da Market Voice traz uma análise completa sobre o panorama da negociação de ativos nos mercados.
- Qual será o impacto da nova presidência dos EUA sobre o trading?
- O rali nos mercados, inicialmente desencadeado pelo estímulo fiscal do Fed, parece refletir a crença de que as campanhas de vacinação que se iniciam mundo afora devolverão a sensação de normalidade à população até o próximo verão no hemisfério norte. Entretanto, uma análise mais aprofundada indica que o mercado pode ter precificado uma perspectiva muito otimista para a economia.
- De que forma o estímulo fiscal do Fed influirá sobre as perspectivas de alta da inflação? E como as principais moedas se sairão em 2021?
É difícil imaginar um ano que tivemos tanto prazer em deixar para trás como 2020, não? Mas precisamos lembrar que, embora 2021 deva ser bem mais positivo, o grau e a velocidade da melhora estão sujeitos a fatores ainda incertos, que dizem respeito às campanhas internacionais de vacinação contra a Covid-19. Aliás, enquanto a passagem de ano era comemorada ao redor do globo, as fatalidades causadas pela pandemia atingiam níveis recordes nos EUA e em outros países e o novo coronavírus já se apresentava em versões ainda mais contagiosas.
Impacto da nova administração nos EUA sobre os mercados
Na Tabela 1 (veja abaixo) trazemos uma atualização dos dados que mostramos há um ano sobre as implicações da eleição presidencial nos EUA para o mercado de ações. As linhas vermelhas indicam vitória republicana, e as azuis, democrata. Já as linhas em negrito apontam que o presidente em exercício foi reeleito.
Em face a esses dados, vemos que não há evidências de parcialidade nos mercados, seja no mês logo após a eleição ou no ano seguinte. Corroborando essa informação, inclusive, temos a alta da SPX tanto na esteira da vitória de Biden, este ano, quanto na de Trump, no final de 2016.
Tabela 1: Eleições e Desempenho da SPX
Após deixar isso claro, temos algumas boas notícias para o mercado. Constatamos que o desempenho no ano posterior ao da eleição foi melhor, em média, em caso de vitória democrata: em 71% delas, o mercado apresentou mais ganhos no ano seguinte do que no anterior à eleição.
Já com presidentes republicanos na Casa Branca, a performance foi superior em apenas 41% dos casos.
E, em termos gerais, notamos ganhos médios de 15% nos anos subsequentes quando o triunfo foi democrata, e de apenas 1%, republicano.
O que realmente há de positivo?
A recuperação dos ativos negociados nos diferentes mercados logo após as eleições norte-americanas deste ano reflete, em certo grau, as expectativas de apoio fiscal adicional para compensar os efeitos da pandemia.
Certamente, o mercado precificou campanhas de vacinação bem-sucedidas, que permitiriam uma espécie de retorno à “normalidade” já nos meses de verão (hemisfério norte). Portanto, é prudente avaliar em que notícias positivas os preços das ações –atualmente quase recordes— estão se baseando.
Conforme vemos no Gráfico 2 (abaixo), ao compararmos o spread do rendimento de dividendos da SPX tanto à taxa dos títulos do Tesouro (10Y) quanto à taxa de títulos corporativos AAA, notamos uma queda drástica em relação aos picos atingidos em março de 2020, no despontar da pandemia.
O rendimento dos dividendos de ações declinou intensamente –em grande parte devido ao aumento dos preços— na segunda metade do ano, e hoje em dia, próximo a 1,95%, está bem perto da mínima da década, fazendo com que as ações parecem caras.
Porém, como tem sido o caso nos últimos anos, as ações podem ser caras em termos de preço absoluto, mas baratas em relação a outros tipos de ativos.
Quando comparado às taxas dos títulos do Tesouro, o spread do rendimento de dividendos da SPX está de volta aos níveis pré Covid-19. Mesmo assim, ele ainda se encontra em um grau que, historicamente, é considerado amplo. O mesmo vale ao confrontá-lo com as taxas de títulos corporativos.
Gráfico 2: Rendimento de dividendos da SPX versus taxas de títulos do Tesouro (10Y) dos EUA e de títulos corporativos AAA
Desempenho dos ativos em relação à macroeconomia
A noção de que o mercado está barato parece destoar dos preços das ações, que estão subindo a novas máximas muito embora a economia ainda não tenha se recuperado por completo e o nível de desemprego encontre-se nas alturas.
Na verdade, se avaliarmos os preços dos ativos em relação à economia em geral, nos deparamos com uma imagem bem menos otimista. No Gráfico 3 (confira abaixo), por exemplo, vemos a proporção entre a capitalização de mercado do SPX (o valor de mercado acumulado de todas as ações do índice) e o PIB nominal.
Nas últimas duas décadas, a valorização das ações no SPX representou uma média de 90% do PIB nominal. Durante a bolha das pontocom, no ano 2000, a alta do mercado de ações atingiu um nível recorde, de quase 130% do PIB, despencando para pouco mais de 50% durante a crise financeira de 2007.
Logo depois, a capitalização de mercado voltou a subir para 90%, e na sequência manteve-se por um longo período em 110%.
Acreditamos que essa excelente média de valorização dos últimos anos reflete a política inédita do Fed de manter as taxas de fundos em quase zero.
Já a recuperação do mercado acionário que vimos no segundo semestre de 2020 decorre, em grande parte, dos níveis extremos de suporte fiscal e monetário, bem como da expectativa de retornar em breve à normalidade. O problema é que, conforme ingressamos em 2021, o valor médio estimado para o mercado está girando em torno de 150% do PIB –algo sem precedentes.
Ou seja, o PIB teria que crescer cerca de 30% neste ano apenas para levar a capitalização de volta ao patamar da crise das pontocom. Parece claro, portanto, que o mercado tem precificado um panorama econômico incrivelmente otimista.
No Gráfico 3 (abaixo) também notamos a curva de rendimento do Tesouro dos EUA –medida pela taxa de 10 anos versus a taxa de 3 meses— em uma base invertida. Explica-se: o mercado tende a ganhar em períodos de achatamento da curva (linha laranja ascendente), enquanto graves desacelerações são acompanhadas por uma acentuada inclinação dessa linha.
De qualquer forma, o Fed parece empenhado em manter as taxas positivas, e um limite em zero dificulta ainda mais o achatamento da curva. Além disso, qualquer sinal de inflação pode aumentar a inclinação, o que deixaria as ações bem mais vulneráveis.
Gráfico 3: capitalização de mercado da SPX versus PIB e curva de rendimento do Tesouro dos EUA (dados da virada do ano)
Isso nos deixa com um prognóstico um tanto confuso para as ações. Afinal, elas são historicamente baratas em comparação a outros ativos, mas caras em relação ao seu potencial desempenho econômico.
Suspeitamos que as cotações mais baixas se manterão durante esta primeira metade do ano, pois o mercado continuará a se concentrar na normalização em um futuro próximo. O principal risco, a curto prazo, é que o apoio do governo não impeça a falência de grandes empresas e que milhões de pessoas sejam despejadas de suas casas.
A nova administração parece preparada para evitar essa situação, mas ainda existem cenários que podem significar problemas para o mercado no segundo semestre:
- A vacinação leva mais tempo do que o previamente imaginado e/ou se mostra menos eficaz do que era esperado, atrasando a normalização da atividade econômica.
- O mercado se normaliza na segunda metade do ano, mas sem atingir os níveis altíssimos de capitalização que foram antecipados.
- O mercado sobe drasticamente na segunda metade do ano, mas surgem preocupações de que o Fed responderá apertando a política monetária e/ou de que o estímulo fiscal será reduzido.
As perspectivas para o desempenho do mercado diante de qualquer uma dessas situações seriam mais negativas caso houvesse uma aceleração significativa da inflação. Os rendimentos dos títulos quase certamente disparariam, fazendo com que os seus preços caíssem, e a curva se inclinasse. O Fed teria muita dificuldade em manter as condições monetárias com o aumento da inflação.
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2021: o ano da inflação?
O governo dos EUA está aplicando estímulos econômicos em um ritmo que não se via desde a Segunda Guerra Mundial.
O déficit fiscal norte-americano já se aproxima de 20% do PIB –algo sem precedentes—, o que vem elevando a dívida pública do país acima de 100% do PIB pela primeira vez desde a década de 40.
O Fed ainda estava praticando uma política de taxa quase zero quando a pandemia se instaurou, e agora expandiu suas compras de títulos de formas inéditas para incluir títulos municipais e, potencialmente, dívida corporativa.
É verdade que a inflação tem permanecido baixa e praticamente impermeável à ação do governo nas últimas duas décadas, mas ainda é possível que vejamos uma séria escalada inflacionária na esteira desse robusto plano de estímulo.
Gráfico 4: CPI dos EUA (ano a ano) e utilização da capacidade (média de doze meses)
Conforme mencionei acima, a inflação não tem reagido às ações do governo nos últimos anos; na verdade, o Fed vem lutando para alçá-la a sua meta, que é de 2%. Mesmo assim, ainda há ligações sutis entre atividade econômica e a inflação.
As teorias econômicas defendem que o nível de demanda de produtos e serviços é o principal responsável por impulsionar ou inibir a inflação –e o Gráfico 4 (abaixo) corrobora essa premissa. Nele encontramos uma persistente relação entre a média móvel de 12 meses de utilização da capacidade instalada (UCI) e a taxa de inflação de doze meses. E, como essa relação indica que a UCI despencou para 72% em 2020, é preciso estreitá-la substancialmente antes que comece a criar pressão inflacionária.
Segundo o padrão histórico, a utilização precisa estar bem acima de 75% da capacidade –e em uma base sustentada— para que a inflação atinja a taxa desejada de 2%. E, como a economia não deve se normalizar até a meados deste ano, é improvável que a utilização alcance esses níveis ainda em 2021.
Embora a relação da curva de Philips entre desemprego e inflação já tenha sido aposentada, o Gráfico 5 (abaixo) mostra que o ritmo de crescimento do emprego ainda tem alguma influência.
A linha azul no gráfico é o ritmo da inflação anual pelo Consumer Price Index (CPI) até o final de 2020. Já os pontos pretos representam os meses em que a taxa de desemprego estava abaixo de 6%, e os círculos laranja, em que a média móvel de doze meses dos ganhos da folha de pagamento não agrícola excederam 175.000 (como as folhas de pagamento são voláteis, a média de um ano é mais significativa).
Observamos que períodos de inflação sustentada acima de 2% foram acompanhados por baixo desemprego ou rápido crescimento do emprego –geralmente ambos.
O crescimento do emprego esteve pressionado nos últimos meses, mas com o desemprego ainda acima de 6% e –como observado acima— a utilização da capacidade instalada ainda fraca, é improvável que isso crie um impulso significativo para a inflação. Além disso, os dados de dezembro mostram que as novas paralisações de atividades econômicas impostas pelo ressurgimento do vírus desaceleraram o ritmo de crescimento do emprego.
Acreditamos que estímulos em exagero que estão sendo oferecidos pelo governo têm, sim, o potencial de eventualmente se manifestar em um aumento da inflação. Contudo, as condições econômicas precisam melhorar bastante para que isso aconteça. Ainda vamos comemorar a chegada de 2022 antes de podermos brindar à alta da inflação.
Gráfico 5: oscilação da CPI (ano a ano) no contexto da taxa de desemprego e ganhos de folha de pagamento
Este pode ser o ano do iene?
À medida que entramos em 2021, o dólar, em geral, se mostrou bem desinteressante.
A divisa dos EUA está aproximadamente 15% mais forte (em termos reais) do que há dez anos, mas tem se mantido estável nos últimos cinco. E ainda mais importante: em termos de desempenho comercial líquido, um dólar alto não gerou graves consequências.
Conforme indicado no Gráfico 6 (abaixo), o déficit em conta corrente dos EUA é menor, como percentagem do PIB, do que há dez anos, e parece ter se estabilizado em modestos 2%.
Paralelamente, o desempenho da moeda dos EUA deverá ser um reflexo de quais países progredirem com mais rapidez na vacinação contra a Covid-19. No entanto, na ausência de um aumento significativo do déficit, parece que o dólar, em geral, se manterá estável.
Gráfico 6: Conta corrente dos EUA como porcentagem do PIB e do índice do dólar americano ponderado pelo comércio
Por outro lado, as condições monetárias pintam um quadro mais confuso para a moeda norte-americana.
As taxas do governo europeu de dez anos (representadas pelos Bunds alemães) apresentaram importante valorização em relação aos títulos do Tesouro dos EUA, mas o euro se fortaleceu em linha com os ganhos de spread.
Conforme exposto no Gráfico 7 (abaixo), o EUR é mais ou menos consistente com o nível de spread atual, então, assim como o dólar, deve permanecer bastante estável nos próximos meses. Porém, o mesmo não acontece com o JPY.
Embora o spread do Tesouro tenha subido modestamente em comparação aos títulos japoneses na segunda metade de 2020, o spread sugere que o dólar deveria estar pelo menos 10% abaixo dos níveis atuais. Qual a implicação disso? O iene japonês pode se fortalecer significativamente em relação ao dólar e ao euro ao longo de 2021.
Gráfico 7: Força bilateral do USD vinculada a spreads de taxas de títulos do Tesouro (10Y) dos EUA
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