O novo coronavírus já deflagrou emergências econômicas e sanitárias de proporções catastróficas, e ainda não está claro como sairemos dessa situação. Mas agora há um medo crescente de que, se tentarmos superar a pandemia com políticas anacrônicas, corremos o risco de piorar também a emergência climática.
Apesar dos inegáveis desafios impostos pela Covid-19, a forma como vamos emergir da atual crise global depende muito de nossas decisões neste momento. Se focarmos nossos esforços de recuperação na transição para uma economia sustentável (algo que, de qualquer maneira, teremos que fazer rapidamente), podemos construir algo significativo a partir dos escombros deixados pela doença.
Hoje, 22 de abril, enquanto celebramos o Dia da Terra, podemos afirmar que se há algum aspecto positivo em meio a esta tragédia, é o efeito que ela vem tendo para o meio ambiente. Conjuntos de dados alternativos apontam que o uso dos carros desabou. Imagens de satélites mostram a concentração de poluição sobre as grandes cidades finalmente diminuindo. A vida selvagem está tentando retomar os seus habitats. E, o mais importante: as emissões de dióxido de carbono devem cair drasticamente até o final do ano.
Agenda verde em perigo
Bem, essas são as boas notícias. Agora, prepare-se para um banho de água fria: sem mudanças estruturais, nada disso significa grande coisa; só nos ajuda a ganhar um pouco de tempo, pois assim que o vírus for domado, a curva de emissões no planeta retomará sua trajetória ascendente. E enquanto isso, a sociedade retribuirá os meses de céus azuis e repletos de cantos de pássaros com empregos perdidos, comércios fechados e, é claro, a vida das inúmeras vítimas de Covid-19.
O fato é que, apesar das dores causadas por esta crise, para enfrentar a emergência climática, destinando os fundos necessários para investir em medidas como energia renovável e seqüestro de carbono, será preciso um grau de ambição e de mobilização de capital (público e privado) em uma escala inédita.
E, não podemos deixar que isso se torne mais um daqueles falsos debates, que opõem os meios de subsistência da humanidade à preservação do planeta. As duas coisas devem andar juntas.
É hora de os defensores de uma abordagem mais sustentável voltarem a atenção para as decisões que estão sendo tomadas nas agências governamentais e nos conselhos das empresas.
Faz apenas três meses que, em Davos, presenciei promessas ousadas de ações contra a crise climática. E hoje, considerações ambientais, sociais e de governança (ESG) já correm o risco de serem deixadas de lado.
Algumas nações começaram a retroceder em compromissos assumidos como forma de apoiar suas indústrias. Outras estão usando a pandemia como desculpa para reverter regulações ambientais.
Ainda veremos, nos próximos meses, quantos países vão reafirmar seus compromissos de reduzir os gases de efeito estufa no âmbito do Acordo de Paris, mas, no momento, parece que o progresso global da sustentabilidade está realmente correndo perigo.
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Momento de redefinição da humanidade
A pandemia está proporcionando à humanidade uma oportunidade de reinvenção única; um lembrete sobre nossa fragilidade como espécie e uma amarga lição sobre o que acontece quando mexemos com a natureza. É também um momento em que as antigas regras sobre o papel do Estado parecem não se aplicar mais. Governos de todo o planeta estão reescrevendo seus manuais de economia com um nível de intervenção e gastos federais que não eram vistos desde o Plano Marshall, nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial.
Devemos, portanto, atacar os desafios da Covid-19 e das mudanças climáticas de forma simultânea, não sequencial. Afinal, quando teremos outra ocasião como esta, em que os governos estão injetando quantias sem precedentes na economia exatamente quando o mundo precisa de US$ 7 trilhões ao ano em investimentos para atingir as metas de desenvolvimento sustentável até 2030?
European Carbon prices are under pressure from #COVID19 crisis stoking worries over economic slowdown and allowances demand.
“This is the first real test of the Market Stability Reserve’’, said our lead analyst @i_sorhus in FT:https://t.co/yrrIaA51Kn
— Refinitiv Carbon (@RefinitivCarbon) April 14, 2020
Seria, obviamente, muito ingênuo de minha parte dizer que um consenso mundial em torno dessa abordagem será algo fácil. Como já foi apontado por Ian Goldin, professor de globalização e desenvolvimento da Universidade de Oxford, em um de nossos webinars recentes, a ordem multilateral está fraturada. No entanto, ainda vale a pena acreditar que, se nações mais “esclarecidas” se posicionarem de forma contundente –como algumas já estão fazendo—, outras possam ser persuadidas a acompanhar o movimento.
Há muito o que elas poderiam fazer. Por exemplo:
- Os bancos centrais poderiam priorizar a compra de títulos emitidos por empresas de tecnologia e de energia renováveis (e de companhias de energia com planos de transição) em vez daquelas com baixa pontuação nas métricas ESG.
- Os atuais planos de socorro financeiro poderiam estar condicionados às conquistas de metas ambientais em um futuro próximo. Vários governos já vêm vinculando condições não-ambientais a resgates de companhias aéreas, por exemplo. Esse tipo de condicionalidade poderia facilmente ser estendida às questões de ESG.
- Os governos poderiam se comprometer (ou se comprometer ainda mais) com os sistemas de trading para emissões. A China planeja o seu, que deve superar o da Europa, ainda para este ano. Segundo modelos de dados da Refinitiv Point Carbon, novos mecanismos para regular o mercado europeu já estão fornecendo suporte aos preços.
- Para garantir que as empresas focadas em sustentabilidade mantenham-se financeiramente sustentáveis, os governos podem considerar apoiá-las por meio de incentivos fiscais ou de créditos. Algumas dessas companhias acabarão sendo elementos centrais para a chamada transição verde, portanto, devemos protegê-las agora.
- Empregadores e governos podem incentivar as pessoas a continuar com comportamentos que ajudem o meio ambiente. A Refinitiv, por exemplo, já tem conversado com funcionários sobre medidas que poderiam ser adotadas após a crise, incluindo o trabalho virtual, para reduzir as emissões decorrentes do deslocamento.
- Reguladores e setores da economia deveriam incentivar (ou exigir) uma maior divulgação de dados de ESG para que os mercados obtenham a transparência necessária a fim de canalizar capital para investimentos sustentáveis. Vale ressaltar que das 7.300 empresas listadas em nosso banco de dados de ESG, 57% ainda não divulgam suas emissões diretas e indiretas de CO2. A tarefa de criar um conjunto único e comum de métricas de ESG é uma prioridade, assim como incorporar riscos climáticos em modelos de gerenciamento de riscos.
- Após a escassez gerada pelos lockdowns e outras medidas de distanciamento social, as empresas passaram a reavaliar a sustentabilidade de suas cadeias de suprimentos. Ao simplificar e encurtar as linhas de abastecimento, elas não apenas reduzirão os riscos de suas operações comerciais, como também reduzirão as emissões. A crise também expôs o custo financeiro de não prestar a devida atenção a funcionários e fornecedores, e os perigos de fechar os olhos para atividades criminosas. Qualquer sistema construído com base em métricas de ESG também deve levar em consideração as amplas cadeias de suprimentos das empresas.
Legenda: Fotos do memorial de guerra India Gate, em Nova Delhi, em 17 de outubro de 2019 e em 8 de abril de 2020, após os níveis de poluição do ar começarem a diminuir durante um lockdown nacional de 21 dias.
Fonte: REUTERS / Anushree Fadnavis / Adnan Abidi
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Benefícios evidentes
Já observamos um aumento significativo no número de clientes acessando dados de ESG em nossa plataforma desde o início desta crise.
Um número cada vez maior de líderes corporativos vêm reconhecendo os benefícios financeiros de longo prazo que elevados custos e riscos associados às mudanças climáticas podem gerar. Eles também entendem que governos e agências reguladoras passaram a precificar mais esses fatores, elevando o ônus de não cumprir com as regulações ambientais.
Embora alguns governos ainda hesitem em impor custos mais altos para as emissões de carbono para proteger suas indústrias de dificuldades econômicas adicionais, esse continua sendo o melhor jeito de reduzir as emissões a longo prazo. Os preços dessas emissões já colocaram as usinas a carvão da Europa à beira da extinção.
Mas esse processo de mudança será conduzido igualmente pelos investidores, cujo apetite por investimentos verdes aumentou cerca de um terço em dois anos. Também serão cruciais as instituições financeiras, que estão levando cada vez mais em conta indicadores ambientais nas avaliações de fusões e aquisições e decisões de empréstimo.
As alterações que a Refinitiv acabou de fazer na forma como classifica as empresas em seu desempenho de ESG fornecerão a analistas, investidores e credores uma imagem ainda mais clara de quem está intensificando as ações de sustentabilidade, além de incentivar uma nova abordagem para aqueles que não estão, ao apontar essa falta de transparência.
De forma geral, os fundos especializados em ESG superaram seus pares (não especializados) desde o início da crise, em grande parte porque estão menos expostos ao mercado de petróleo que se encontra em queda. Dados da Refinitiv Workspace mostram que os 1.600 produtores mundiais de combustíveis fósseis listados tiveram uma queda média de 25% no preço do ano até 15 de abril, contra uma perda de 7% para seus pares focados em energias renováveis. Esses dados podem ser interpretados como um lembrete dos riscos de uso intensivo de carbono nos modelos de negócios, mas também mostram as oportunidades de investimento em alternativas.
Legenda: O principal índice global de preços de energia renovável da Refinitiv (em roxo) superou seu equivalente para combustíveis fósseis (laranja) em quase 32% até agora em 2020.
Motivos de esperança
Há apenas uma pequena janela de oportunidade. E é agora, quando os formuladores de políticas públicas estão decidindo rapidamente onde e como implantar capital para resgatar as economias em crise. Enquanto isso, o planeta continua esquentando.
Mesmo assim, estou esperançoso. O nível de ação coletiva e nossa disposição de mudar velhos hábitos para #achataracurva (#flattenthecurve) durante esta pandemia tem sido inspirador. As pessoas já desejam que as coisas sejam diferentes quando sairmos do confinamento; estamos nos familiarizando com novas sensações, como ar mais limpo e um forte senso de comunidade. A onda de mudanças duradouras vem crescendo.
Suspeito que os líderes globais –tanto na esfera pública quanto na privada— também sintam isso. A humanidade demonstrou que pode agir de forma decisiva e em seu próprio interesse diante de uma crise global. Agora, é preciso fazê-lo novamente para evitar o que pode ser uma crise ainda maior.
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