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Será que podemos falar em um novo superciclo de commodities?

Geordie Wilkes
Geordie Wilkes
Head of Research, Sucden Financial Limited

Diante do persistente aumento dos preços das commodities nos últimos meses, examinamos uma série de dados do setor agrícola e automotivo, bem como tendências geopolíticas, para estabelecer se o que temos no horizonte pode ser realmente caracterizado como um novo superciclo dessas mercadorias.


  1. Nos últimos meses, a valorização das commodities vem alimentando especulações de que poderíamos estar entrando em um novo superciclo, como o de 2002 a 2014.
  2. Um grande catalisador para o aumento dos preços dessas mercadorias são os programas governamentais de estímulo fiscal lançados na esteira da Covid-19, além dos ambiciosos planos de países como China e EUA para tornar suas economias neutras em carbono.
  3. Os efeitos da transição para uma economia mais sustentável –com a adoção cada vez maior de veículos elétricos e a consequente demanda por metais como cobre, níquel e lítio—, já estão sendo sentidas na indústria automotiva. Enquanto isso, o crescimento da classe média global, acompanhado por uma maior procura por alimentos, terá um impacto direto sobre a produção e os preços agrícolas.

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Desde o início do ano, muito tem se falado sobre o possível início de um superciclo de commodities. E, embora alguns grupos de mercadorias que se encaixam nessa classe mostrem sinais de crescimento de longo prazo devido a mudanças nas preferências alimentares do consumidor e à mudança para uma economia mais sustentável, falar em um novo superciclo parece um pouco de exagero –mesmo porque precisamos levar em conta o nível de estímulo econômico oferecido por muitos governos nos últimos 12 meses.

Além disso, as matérias-primas, como metais industriais, são necessárias para que empresas e nações em todo o mundo atinjam as metas de combate às mudanças climáticas e cumpram com as promessas de neutralizar suas emissões de carbono.

Assim, não é coincidência que tenhamos visto um salto nos preços das commodities nos últimos meses. Esse movimento ocorreu em consequência de um sentimento de otimismo nos mercados logo após o lançamento do Green New Deal pelo presidente Biden e do 14º Plano Quinquenal da China. Ambos colocam uma ênfase maior em energia renovável, armazenamento de energia, veículos elétricos (EVs), na sigla em inglês) e habitação social.

Para uma análise mais aprofundada sobre o ciclo das commodities, acesse: “Not Waving, but cycling – are commodities rebounding?”

Políticas de transição criando um superciclo?

O plano de Biden de descarbonizar o setor de energia dos EUA até 2035 e de ter uma economia neutra em carbono até 2050, em conjunto com o projeto da China de atingir a neutralidade de CO2 até 2060, são compromissos ambiciosos para as duas maiores economias do mundo.

Para serem realizados, esses programas dependem de anos de planejamento, bem como de metas de curto prazo –e em todos os setores.

Um deles é o transporte. Os veículos e a mobilidade elétrica (como se define a eletrificação do transporte) representam uma revolução em uma importante indústria global, e essa tendência já começou a reduzir as emissões de gases de efeito estufa no setor de transporte.

De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), esse setor foi responsável por 24% das emissões geradas pela queima de combustível em 2019, um aumento de “apenas” 0,5% sobre o ano anterior. Esses números, considerados promissores, devem-se aos investimentos em eficiência, biocombustíveis e, claro, eletrificação.

As vendas de carros elétricos desafiaram a pandemia, crescendo em mais de três milhões de unidades apenas em 2020, segundo dados da AIE. E neste ano, é provável que a estratégia “Build Back Better” –conhecida abordagem para a recuperação pós-desastre que visa reduzir a vulnerabilidade a crises futuras ao estimular a resiliência da comunidade— aqueça ainda mais o segmento, com políticas destinadas a promoção desses “new energy vehicles” (NEVs), como são conhecidos ao redor do globo.

A importância dos metais para a economia sustentável

Como se sabe, metais como níquel, cobre e lítio são centrais para o desenvolvimento dos veículos elétricos.

Segundo a Associação Internacional do Cobre (ICA, na sigla original), o consumo de cobre destinado apenas ao enrolamento de motores elétricos de tração deve chegar a 250.000 toneladas ao ano. A entidade também ressalta que um veículo elétrico a bateria consome 83 kg de cobre enquanto um motor de combustão interna requer 23 kg.

Já a demanda por níquel e lítio depende do processo químico do cátodo da bateria, e as expectativas do mercado em relação à isso mudam à medida que as tecnologias avançam. Atualmente, os chamados cátodos de alto óxido de níquel estão na vanguarda do mercado de baterias para EVs, mas o impacto ambiental da produção de níquel continua sendo uma preocupação.

Leia o relatório: “The True Cost of Electric Vehicles – Europe Energy Sector”

Mas e os mercados agrícolas, onde se encaixam?

Os mercados agrícolas desempenham um papel vital no funcionamento diário da economia mundial e no desenvolvimento humano.

De acordo com a Comissão Europeia, à medida que a população do planeta aumenta e a classe média global se expande –passando de 3,5 bilhões em 2017 para os esperados 5,3 bilhões em 2030—, 87% das pessoas desse estrato econômico estarão na Ásia, o que deverá resultar em mudanças nos padrões alimentares em vigor.

Com a expansão da classe média haverá, por exemplo, um salto no consumo de carne na Ásia, pressionando os mercados de soja. Assim, a Comissão Europeia estima que, até 2030, a demanda por alimentos, água e energia terá subido, respectivamente, 35%, 40% e 50% em relação aos índices de 2012.

À medida que a renda per capita cresce, há a previsão de que os países asiáticos, como a China, consumirão mais café –tendência evidenciada pela joint venture entre a Starbucks e a Nestlé em 2019. Segundo dados do setor, as vendas aumentam ano a ano, com o tíquete médio na China 9% maior do que em outras importantes regiões do mundo.

O crescimento da demanda de café na China também pode ser ilustrado pelas reexportações japonesas do grão (tanto torrado e moído quanto na forma solúvel). No longo prazo, isso deve criar um descompasso no balanço de oferta e demanda do mercado cafeeiro, agravado por padrões climáticos adversos e ciclos intermitentes que já tornam os rendimentos das safras bastante voláteis.

Leia o relatório: “Brazil in Vogue – Coffee Market Update”

Impacto nos preços

Nessa história podemos dizer que haverá vencedores (provavelmente metais como cobre, níquel e lítio) e, como sempre, perdedores. Contudo, a dinâmica costuma mudar de uma hora para outra, especialmente quando se leva em consideração a rapidez com que o mercado pode se afastar do cobalto.

Mas a narrativa de longo prazo para esses metais se mantém positiva, mesmo com superávits iminentes.

A agricultura continua sendo uma espécie de “pacote sortido”, com os mercados agrícolas dominados pelas mudanças na oferta, principalmente por causa do clima.

Não há dúvida de que os consumidores estão se tornando mais conscientes sobre suas dietas e origens alimentares. E uma dessas tendências é o consumo de café, que deve crescer este ano. No entanto, com a expectativa de drástica queda da oferta da commodity pelo Brasil, o preço tende a subir.

Após essa breve exposição, concluo dizendo que certamente há pontos positivos para alguns ativos em commodities. Mas falar em um novo superciclo de commodities? Bem, realmente ainda não estou convencido.

Leia o relatório: “The True Cost of Electric Vehicles – Europe Energy Sector”