Como a taxonomia da Comissão Europeia afetará a capacidade dos investidores de avaliar as credenciais verdes dos produtos financeiros? E que impacto isso terá na economia?
- Um grupo de Grupo de Peritos Técnicos (TEG, na sigla em inglês) nomeado pela Comissão Europeia (CE) ainda em 2018, fez uma série de recomendações sobre os requisitos necessários para identificar e classificar oportunidades de investimento capazes de promover sustentabilidade, e que, posteriormente, serão desenvolvidos pela Plataforma de Finanças Sustentáveis (PSF).
- Seguindo os rigorosos critérios propostos pela CE, a taxonomia sustentável da União Europeia permitirá que os investidores avaliem (de forma consistente) as credenciais verdes de empresas, ativos e produtos financeiros.
- A taxonomia da UE pretende fazer com que os participantes do mercado financeiro, por meio de investimentos verdes, tenham um impacto na economia real.
Após um período de três anos, a Comissão Europeia está terminando o projeto que engloba uma série de ferramentas destinadas a promover transparência, intensa transferência de capital para investimentos sustentáveis e uma economia descarbonizada.
Desde que a CE definiu pela primeira vez as áreas legislativas que esperava abordar em seu Plano de Ação de 2018, o TEG (que acabou sendo parcialmente substituído pelo PSF) tem focado em quatro pontos específicos: Padrões de Títulos Verdes (GBS) da UE; benchmarks climáticos; divulgação corporativa; e uma taxonomia de sustentabilidade em toda a União Europeia.
Em novembro de 2020, a Comissão Europeia publicou um esboço com algumas regras após passar meses reunindo feedback dos participantes dos mercados de capitais. Isso foi feito com base nas recomendações do TEG para a taxonomia da UE e com dois principais objetivos ambientais: mitigação das mudanças climáticas e adaptação às mudanças climáticas.
Em sua maioria, especialistas e entidades do setor ficaram entusiasmados com a publicação. Contudo, vozes críticas têm chamado a atenção para a necessidade de maior detalhamento dos padrões de alguns setores, especialmente habitação e transporte.
Descubra como o London Stock Exchange Group (LSEG) utiliza dados e soluções da Refinitiv e do FTSE Russell Green Revenues 2.0 para ajudá-lo a navegar com mais confiança pelo cenário de sustentabilidade
O que é a taxonomia da UE?
A taxonomia de sustentabilidade da UE é considerada a espinha dorsal do pacote de finanças verdes da Comissão Europeia. O seu objetivo é desenvolver um sistema de classificação robusto para identificar e catalogar oportunidades de investimento que contribuam de forma significativa para os objetivos ambientais, minimizando os impactos negativos em toda as áreas, inclusive na social.
Os reguladores acreditam que esse esquema de classificação, baseado em dados científicos, informará e permitirá aos participantes do mercado financeiro “reorientar os fluxos de capital para investimentos verdes, a fim de alcançar um crescimento sustentável e inclusivo”.
Outro objetivo da taxonomia é abordar o risco de “lavagem verde” (greenwashing), prática já bastante difundida em que se rotulam produtos financeiros como “verdes” (ou ecológicos), apesar da falta de credenciais e de impacto realmente sustentáveis.
Simplificando, podemos dizer que a taxonomia de sustentabilidade da União Europeia permitirá que investidores de todos os tamanhos, tipos e procedências consigam classificar de forma consistente os produtos financeiros com base em suas credenciais verdes.
Para isso, a Comissão Europeia está desenvolvendo critérios de avaliação técnicos bastante detalhados, todos com base científica e destinados a determinar o que, de fato, está em conformidade com a taxonomia ou não, o que provavelmente incluirá disposições específicas para tecnologias renováveis, energia verde (como eólica e solar) e infraestrutura.
Propostas do TEG para a taxonomia de sustentabilidade
Há uma longa lista de critérios que podem contribuir para as características ambientais positivas de um ativo:
- Mitigação da mudança climática
- Adaptação às mudanças climáticas
- Uso sustentável da água
- Transição para uma economia circular
- Prevenção e controle da poluição
- Proteção da biodiversidade
- Necessidade de “não causar danos significativos” a qualquer um desses objetivos ambientais anteriores
Para cada um desses critérios, a UE propôs diferentes medidas de alinhamento para rastrear o progresso de um determinado ativo: 1. alinhado; 2. alinhado após ultrapassar algum limite; 3. não alinhado por ultrapassar algum limite; 4. fora do escopo.
Mas ainda tem havido bastante debate no TEG a respeito de tecnologias controversas. Assim, o grupo tomou a decisão de criar um ato delegado complementar do Regulamento da Taxonomia da UE que abrange, por exemplo, agricultura, atividades de produção energéticas específicas e determinados processos da indústria de transformação. Esse ato delegado deverá ser divulgado em data posterior.
Inicialmente, ao ser implementado, pode ser que os níveis de alinhamento dos portfólios pareçam “baixos”. Isso porque o mercado ainda estará se adaptando e os emissores, ajustando o volume de informações que precisam ser fornecidos. Em meio a esse panorama, a melhoria dos índices de divulgação e de alinhamento de portfólio será um importante sinal de progresso.
Vale lembrar que critérios-chave de seleção técnica ainda estão sendo finalizados, e atualmente há um prazo legislativo de 31 de dezembro de 2021 para a publicação das métricas de triagem dos dois primeiros objetivos de taxonomia.
O processo de implementação da taxonomia, no entanto, é algo em construção, já que a UE ainda não cobriu quatro dos seis objetivos ambientais identificados, incluindo áreas-chave como agricultura e aviação.
Caminho para o compliance
No que diz respeito aos investidores, a taxonomia da União Europeia permitirá que eles determinem se os ativos que compoem um portfólio são realmente sustentáveis, concentrando-se nos negócios e oferecendo soluções para os desafios ESG –embora com um foco inicial no clima.
Mas haverá implicações para aqueles que vendem produtos verdes dentro da UE, pois eles deverão se preocupar ainda mais em demonstrar vantagem competitiva. Segundo pesquisas recentes, os fundos focados no impacto ambiental superam de longe os benchmarks de mercado.
Além disso, os investidores deverão garantir que estão cumpindo todos as exigências legais. Para isso, deverão explicar exatamente como os requisitos da taxonomia da UE foram aplicados aos seus produtos.
A Diretiva sobre Relatórios de Sustentabilidade Corporativa (CSRD), o Regulamento para Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR) e o próprio regulamento da Taxonomia irão obrigar os participantes do mercado a explicar como esses critérios de sustentabilidade foram aplicados a seus produtos.
É importante que os participantes do mercado estabeleçam como os investidores devem cumprir com a taxonomia da UE e as divulgações de CSRD, e considerem o uso de benchmarks alinhados ao Acordo de Paris e à Transição Climática da UE. Também há a expectativa de que os dados subjacentes se tornem mais completos e que serão relatados de forma consistente com a taxonomia do emissor e os requisitos de relatório aprimorados da CSRD.
A UE pretende que todas essas regras sejam cumpridas dentro de um prazo relativamente apertado.
Em 1º de janeiro de 2022, os gestores de ativos terão que fazer divulgações de acordo com a taxonomia da UE para adaptação e mitigação do clima, cobrindo o ciclo de relatório de 2021. Os emissores em conformidade terão que fazer o mesmo até o final de 2022 (também cobrindo o ano de relatório de 2021).
Como a taxonomia da UE vai impactar a economia real?
Alguns investidores têm levantado a seguinte questão: como a taxonomia da UE pode identificar quais instrumentos ou produtos terão influência direta na economia real? Em outras palavras, os investimentos identificados como “verdes” vão gerar um impacto material e positivo no mundo?
Alguns gestores de ativos podem se surpreender ao ver como as empresas são expostas a produtos com características ambientais positivas e como isso, por sua vez, afeta a percepção dos consumidores sobre o grau de sustentabilidade de seus produtos.
A taxonomia da UE também apresenta uma medida adicional de “valor verde” dos ativos para os investidores. Mas ainda existem algumas questões sobre como outros participantes do mercado, como reguladores locais ou mesmo agências de classificação, irão integrar a taxonomia ou usá-la de forma eficaz.
Apesar dessas considerações, vemos uma aceitação generalizada por parte dos Estados-Membros da UE (e internacionalmente) de que as novas normas serão um instrumento chave de descarbonização.
Taxonomia da UE: referência para o mundo
Os investidores já estão utilizando as propostas preliminares da taxonomia para formular seus próprios produtos verdes, abraçando a abordagem unificada que deverá prevalecer de agora em diante.
A dinamarquesa Nordea, por exemplo, lançou fundos com títulos verdes que serão usados para financiar projetos alinhados aos objetivos da taxonomia da UE.
Já a Eurosif, que representa fóruns de finanças sustentáveis em toda a Europa, aprovou a distinção entre “investimentos sustentáveis” e a saúde financeira das empresas investidas. A entidade espera que a taxonomia da UE aumente a transparência por meio de uma nomenclatura comum, ajudando a lidar com a “lavagem verde”. Ela também compartilhou sua visão de que a adoção da taxonomia “ajudaria gradualmente a direcionar o capital para atividades econômicas mais sustentáveis”.
Muitos esperam que a taxonomia comece a influenciar o cenário de investimentos sustentáveis também fora da Europa. Timothée Jaulin, chefe de desenvolvimentos ESG na gestora de ativos Amundi, diz que o pacote de regulamentações sustentáveis da UE, incluindo a taxonomia, se tornará a “referência” internacional para esses esforços.
Antoni Ballabriga, chefe de negócios responsáveis da gigante espanhola de serviços financeiros BBVA, diz que, no futuro, a taxonomia será um “manual de referência” para os bancos. Inclusive, o BBVA já avançou em suas ofertas verdes (privadas e públicas), como empréstimos para incorporadores de propriedades sustentáveis e para veículos elétricos e híbridos –e tudo isso usando suas próprias estruturas desenvolvidas de acordo com os modelos oferecidos pelo Grupo de Peritos Técnicos (TEG).
Os gestores de fundos que lidam com grandes portfólios terão que usar a taxonomia da UE para descobrir qual percentagem de suas participações se qualificam como verdes ou ambientalmente sustentáveis, atividade que provavelmente demandará muito tempo e esforço.
Algumas ferramentas, como o modelo de dados Green Revenue 2.0 do FTSE Russell, já ofereciam aos investidores uma maneira de medir a exposição à receita verde de milhares de empresas listadas em bolsa, sobrepondo-se quase inteiramente à taxonomia da UE e cobrindo todos os seis objetivos ambientais.
É bastante provável, no entanto, que vejamos alguns problemas iniciais à medida que a taxonomia vá sendo implementada em todo o setor até o final de 2021. Os investidores devem ter certeza de que não estão, por exemplo, exagerando em seu alinhamento com a taxonomia da UE em um estágio inicial, o que poderia levar a especulações sobre greenwashing.
Por fim, acreditamos que a taxonomia acabará complementando a exigência (já em vigor) de que as organizações da União Europeia com pelo menos 50 funcionários divulgassem sua exposição a produtos verdes a partir de 2020 –mas não há dúvida de que ela levará a requisitos muito mais amplos de “divulgação verde”.
Descubra como o London Stock Exchange Group (LSEG) utiliza dados e soluções da Refinitiv e do FTSE Russell Green Revenues 2.0 para ajudá-lo a navegar com mais confiança pelo cenário de sustentabilidade