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Viés doméstico da carteira está longe de ser uma vantagem para os investidores

Sandrine Soubeyran
Sandrine Soubeyran
Director, research & analytics, FTSE Russell

Estudo da FTSE Russell aponta que sobrecarregar a carteira com ações de empresas domésticas –estratégia típica dos fundos de pensão brasileiros— não traz nenhuma vantagem para os investidores, muito pelo contrário.


Já chamamos a atenção, em outras ocasiões, para o impacto negativo de um viés doméstico em investimentos que compõem fundos de pensão globais. Ou seja, temos visto que sobrecarregar a carteira com ações de empresas locais tem prejudicado os retornos dos investidores institucionais em todos os países que analisamos ao longo da última década –com exceção dos EUA.

E essa chamada “desvantagem doméstica” se mostrou particularmente acentuada nas alocações de ações dos fundos de pensão brasileiros, o que, claro, teve sérias implicações para os poupadores do país.

Fundos de pensão brasileiros: viés exageradamente doméstico

Apesar de as economias mundiais e os mercados financeiros estarem cada vez mais integrados, diversos estudos mostram que os fundos de pensão em todo o mundo continuam a direcionar seus portfólios para títulos domésticos.

Há, sem dúvida, uma série de explicações para essa clara preferência do investidor, incluindo o desejo de evitar exposição a riscos cambiais ou políticos e, consequentemente, os custos extras para fazer um hedge contra esses riscos.

Já os fundos de pensão citam fatores como regulamentação [1], familiaridade com as marcas e necessidade de correspondência entre ativos e passivos [2] como razões por trás de sua preferência por títulos nacionais.

Mas, mesmo levando tudo isso em consideração, ainda podemos dizer que, quando se trata de viés doméstico na alocação de ações, os fundos de pensão brasileiros estão completamente fora da curva –para cima. Como mostra o gráfico abaixo, o Brasil tem, de longe, a maior disparidade entre sua alocação de ações domésticas e de ações que compõem o FTSE All-World Index, em uma relação de 160 para 1.

Uma série de derrotas para o real

Após a crise financeira global, o real chegou, inicialmente, a se recuperar em relação a outras moedas, mas houve alguns fatores que foram decisivos para desencadear uma das maiores depreciações dos últimos anos.

É preciso lembrar que, como um grande exportador de commodities –especialmente ferro, minério e petróleo–, o desempenho do mercado brasileiro está intimamente alinhado ao ciclo dessas mercadorias. E, portanto, com o fim do boom das commodities em 2011, a economia brasileira se viu em maus lençóis, situação que foi ainda mais exacerbada pelo colapso dos preços do petróleo em 2014.

Além disso, o Brasil também se saiu pior do que outros países na recuperação do choque econômico causado pela Covid-19, o que, de novo, foi seguido por uma queda nos preços do petróleo. Como já dissemos (e é possível conferir no gráfico abaixo), cada um desses fatores teve um profundo efeito sobre o real, e contribuiu para uma depreciação da moeda que já dura mais de uma década.

Perdas esmagadoras para investidores brasileiros

Essa depreciação plurianual do real teve um impacto significativo sobre os retornos das ações de empresas brasileiras. Isso porque a fraqueza da moeda criou uma enorme disparidade entre o desempenho (relativo) do mercado brasileiro versus o índice global de ações (como demonstra a linha azul divergente no gráfico abaixo).

Com um olhar mais atento para os rendimentos ajustados ao risco, vemos que o desempenho relativo do Brasil nem sempre foi negativo.

Em suma, parece claro que esse foi o caso somente quando comparado ao índice global de ações em termos de moeda local. De acordo com o que indica a barra verde no gráfico abaixo, as ações brasileiras apresentaram melhores retornos ajustados ao risco em apenas quatro (ou 29%) dos períodos examinados.

No entanto, como demonstra a barra azul, a comparação dos resultados brasileiros com um índice global de ações sem o efeito cambial mostra que as ações brasileiras apresentaram melhores retornos ajustados ao risco em quase 60% do período. Isso ressalta o profundo impacto negativo da desvalorização do real nos retornos dessas ações.

Viés doméstico e desvalorização do real: tempestade perfeita

É óbvio que os fundos de pensão brasileiros não sofreram um golpe em um único dia, mas, com o tempo, seu viés de patrimônio líquido afetou significativamente os rendimentos. A nossa análise revela que a forte desvalorização do real teve um efeito devastador nos retornos ajustados ao risco para investidores brasileiros, e que o forte viés doméstico das carteiras eliminou a chance de potenciais ganhos na maior parte do período (desde 2008).

Para mais detalhes e análise, clique aqui e leia o artigo na íntegra

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[1] Pension Markets in Focus 2017, OECD.

[2] Liberalising Foreign Investments by Pensions Funds: Positive and Normative Aspects, OECD Working Paper 5.3.