Variante Delta, gastos excessivos, sustos de inflação e teto de dívida: todos ameaçam ludibriar os títulos de dívida dos EUA, e ainda assim é a dança delicada e muitas vezes mal-interpretada entre o Fed e o Tesouro que provavelmente mantém tudo sob controle.
Por um lado, o Federal Reserve provavelmente começará a reduzir suas compras mensais de 80 bilhões de dólares em títulos do Tesouro até o fim do ano –momento que muitos investidores temiam que prejudicasse o mercado e aumentasse os rendimentos.
Mas o Tesouro dos EUA também tomará menos empréstimos no próximo ano, com um déficit orçamentário e necessidades de financiamento em rápida redução ante a explosão de gastos de 2020.
Tudo mais constante, se a saída gradual do maior comprador individual do mercado for acompanhada por um corte equivalente na oferta de novas dívidas, os dois movimentos devem se cancelar em termos de impacto nos preços. E talvez seja isso que a estabilidade aparentemente peculiar do mercado de títulos desde abril tem nos dito.
A questão é se uma dessas forças acabar dominando –ou se elas são deliberadamente mantidas em sincronia.
Claro que os números exatos ou o prazo de redução de estímulos pelo Fed ainda são desconhecidos. Menos conhecidos ainda são detalhes sobre em que parte do espectro de vencimentos o Tesouro concentrará as vendas de dívida. O crescimento mais amplo e a evolução da inflação continuam a ser variáveis críticas e desconhecidas.
Mas a dinâmica básica é um estabilizador poderoso.
Joseph Wang, ex-operador sênior da mesa de mercado aberto do Fed, avalia que os dois vão “praticamente se cancelar… então o estoque de títulos do Tesouro detidos pelo setor privado continuará a crescer no mesmo ritmo. O Fed vai apenas deter uma parcela menor do estoque geral”.
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Excesso De Financiamento
Do lado do financiamento, o Tesouro vai contrair empréstimos significativamente menores nos anos fiscais de 2022 e 2023 do que no atual, graças à recuperação do crescimento econômico e das receitas fiscais, a uma reduzida necessidade de apoiar indivíduos e empresas e a novas contas de gastos postergadas para um futuro mais distante.
Isso significará um programa menor de captação de recursos. O Comitê Consultivo de Empréstimos do Tesouro (TBAC, na sigla em inglês), grupo formado pelos principais participantes do mercado de renda fixa, diz que seu cenário básico prevê redução de 19% na emissão de cupons no ano civil de 2022, com a queda aprofundando para 35% 12 meses depois.
Também é importante notar que o Tesouro entra no próximo ano com quantias significativas de dinheiro captadas no mercado, um ano após a eclosão da pandemia de Covid-19. Gennadiy Goldberg, da TD Securities, estima que a emissão líquida de cupons no ano fiscal de 2021 foi de 2,73 trilhões de dólares, aumento de 1,37 trilhão de dólares em relação ao ano anterior.
Mas nem tudo era necessário, e esse aparente excesso de financiamento é um dos principais motivos pelos quais o saldo de caixa do Tesouro no Fed inflou e causou distorções na ponta ultracurta da curva, além de justificar por que os empréstimos serão menores no próximo ano.
De acordo com a recomendação básica do TBAC, a emissão bruta de títulos de dois a 30 anos deve cair em 749 bilhões de dólares, para 3,21 trilhões de dólares em 2022, diminuindo ainda mais para 2,59 trilhões de dólares em 2023.
A captação líquida dependerá em grande parte dos planos fiscais do governo. Apesar das manchetes do ambicioso plano de gastos de 3,5 trilhões de dólares do governo Biden ao longo da próxima década, a política fiscal dos EUA ficará significativamente mais restrita em 2022 e 2023.
O Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês), órgão bipartidário, estima que o déficit fiscal de 2021 –de 3 trilhões de dólares, ou 13,4% do PIB– cairá drasticamente para 1,153 trilhão de dólares (4,7% do PIB) no exercício fiscal de 2022 e para 789 bilhões de dólares (3,1% do PIB) no ano fiscal de 2023.
Em termos de necessidades de financiamento, o CBO projeta valor líquido de pouco menos de 1,5 trilhão de dólares no ano fiscal de 2022, caindo para cerca de 750 bilhões de dólares em 2023. Isso se compara a pouco menos de 2 trilhões de dólares neste ano.
Momento Do Taper
O Fed, por sua vez, deve estabelecer seu cronograma de redução gradual de aquisições de ativos antes do fim deste ano e começar a encerrar suas compras de títulos do Tesouro no próximo ano. Atualmente, com 80 bilhões de dólares por mês, está movimentando 960 bilhões de dólares anualmente.
Se diminuir a um ritmo constante de 10 bilhões de dólares a 15 bilhões de dólares por mês, as novas compras cessarão em cerca de seis a oito meses.
Ao longo do ano fiscal de 2022, porém, o Fed ainda acumulará mais de 500 bilhões de dólares em novas compras. Ainda assim, será cerca de 400 bilhões de dólares a menos do que em 2021, valor aproximadamente semelhante à queda na necessidade de financiamento líquido do governo.
Se as compras de 960 bilhões de dólares em títulos pelo Fed em 2021 forem reduzidas a zero no ano fiscal de 2023, isso mais uma vez compensará a redução de 1 trilhão de dólares nas necessidades de financiamento do governo no mesmo período, de acordo com estimativas do CBO.
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Uma infinidade de outros fatores determinará o curso do mercado de Treasuries nos próximos anos, como os planos do presidente Joe Biden para estímulo e aumento de impostos, e para onde a inflação e as expectativas de inflação estão se dirigindo.
Mas as mudanças na demanda do Fed e na oferta pelo Tesouro podem fornecer o amplo arcabouço dentro do qual todo o resto se desenrola.
As opiniões expressas no texto são do autor, colunista da Reuters