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Por que os IPOs brasileiros estão indigestos para os investidores

Carolina Mandl
Carolina Mandl
Repórter de finanças, Reuters

O que parecia ser o melhor ano do Brasil para ofertas públicas iniciais de ações em mais de uma década agora está em risco, já que muitas empresas começaram a engavetar seus planos em meio a preocupações com a disciplina fiscal do país e um excesso de operações.

Alimentadas pela crescente demanda de investidores domésticos de varejo que buscam alternativas para taxas de juros historicamente baixas, as empresas locais deveriam levantar mais de 100 bilhões de reais até o fim do ano com a venda de ações em IPOs e ofertas subseqüentes.

Mas as esperanças de IPO de várias empresas foram frustradas nas últimas semanas. Até mesmo o esperado IPO da Caixa Seguridade, da Caixa Econômica Federal, que pretendia arrecadar mais de 10 bilhões de reais, fracassou na semana passada. A unidade de gás da Cosan e o banco de investimento BR Partners tiveram o mesmo destino.

Muitas outras empresas também estão avaliando um cancelamento, dizem executivos de bancos, à medida que a confiança dos investidores vai sendo azedada tanto pela preocupação com os gastos do governo federal quanto pelo número de empresas que buscam abrir capital.

Algumas, como a construtora Lavvi e a rede de drogarias Pague Menos, cederam à pressão dos investidores e reduziram suas avaliações iniciais.

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Anêmico

Neste ano, os IPOs brasileiros foram financiados principalmente por investidores locais, impulsionados por taxas de juros na mínima histórica. Os investidores estrangeiros responderam por 38% do dinheiro nos IPOs brasileiros neste ano, abaixo do nível médio histórico de 60% desde 2007, dando aos investidores domésticos muita influência sobre os preços.

A bolsa de valores teve saídas de investimento estrangeiro de cerca de 90 bilhões de reais até agora este ano, enquanto os fundos de ações locais tiveram entradas de mais de 60 bilhões de reais, de acordo com um relatório recente do Bank of America.

“O interesse dos investidores estrangeiros por Brasil esta anêmico, com a maioria mostrando preferência por empresas chinesas entre os mercados emergentes, especialmente IPOs de tecnologia”, disse Andre Rosenblit, chefe da unidade de corretagem do Banco Santander Brasil.

Incertezas em torno das eleições presidenciais dos EUA e uma segunda onda de Covid-19 na Europa têm levado investidores globais a fugirem do risco, um outro obstáculo para os IPOs brasileiros.

No Brasil, o governo Jair Bolsonaro cogita um novo programa de renda mínima, sem dar demonostraçõess claras de corte de despesas. Isso tem levado a uma onda de desvalorização do real, do índice da bolsa de valores e a um aumento das taxas de juros de longo prazo.

Além disso, o boom de IPOs do Brasil tornou-se vítima de seu próprio sucesso, à medida que a corrida das empresas para abrir capital se chocou com um fato imutável: a base de investidores do país – mesmo considerando seu recente crescimento – não consegue absorver tantos IPOs de uma só vez.

Simplesmente não há compradores suficientes de uma vez para o enorme aumento da oferta, dizem banqueiros, empresas e administradores de ativos. Alguns gestores de ativos até reclamam que não têm analistas suficientes para examinar – por exemplo – três varejistas de medicamentos diferentes ou uma dúzia de empresas de construção que buscaram quase que simultaneamente um IPO.

Mais seletivos

“Certamente há dinheiro novo fluindo de títulos públicos para ações, mas não o suficiente para todas essas ofertas de ações”, disse o gestor de recursos Renato Ometto, da Mauá Capital, que administra 6 bilhões de reais. “Para comprar todos esses IPOs, eu teria que vender outra ação do meu portfólio e não quero fazer isso.”

Quase 50 empresas brasileiras já entraram com pedido de IPO e muitas outras estavam de olho em abertura de capital, dizem executivos de bancos de investimento. Esse fluxo não era visto desde 2007, quando 64 empresas foram listadas, mas em um período de 12 meses.

Muitos dos IPOs que saíram do papel mostraram retornos decepcionantes, tornando os gestores de fundos e investidores de varejo mais céticos em relação às próximas transações. Dos 18 IPOs de empresas brasileiras neste ano, apenas dez estão negociando acima dos preços do IPO.

“Com tantos IPOs, os investidores têm mais poder de barganha e estão sendo mais seletivos”, disse Eduardo Miras, chefe do banco de investimento do Citi no Brasil. “Mas o mercado não fechou, as coisas vão encontrar um equilíbrio.”

O bureau de crédito Boa Vista Serviços concluiu com sucesso a precificação de suas ações no ponto médio de sua faixa de preços num IPO que movimentou 2,17 bilhões de reais. E a Caixa Seguridade está pensando em retomar a oferta em dezembro, naquela que seria sua terceira tentativa de IPO neste ano.

“A taxa básica de juros está em um nível baixo recorde. Isso é muito construtivo para a economia”, disse Eduardo Mendez, diretor para o mercado de ações da América Latina do Morgan Stanley. “As nuvens são visíveis no céu, mas não há furacão no horizonte”, disse Mendez.

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