Em mais uma edição do Market Voice, analisamos as razões por trás da impressionante alta da cotação do ouro nas últimas semanas –com o valor da onça ultrapassando US$ 2.000 no início de agosto— e as perspectivas para os próximos meses. Confira.
- Para combater os impactos econômicos negativos gerados pela Covid-19, os bancos centrais de inúmeros países criaram importantes programas de estímulo. Essas ações, juntamente com o aumento da incerteza sobre o panorama financeiro, fizeram com que os investidores se protegessem comprando ativos considerados mais seguros, como o ouro. Assim, o metal atingiu um novo recorde de valorização no início deste mês.
- Os desdobramentos econômicos e políticos nos Estados Unidos, além das suas disputas comerciais com a China, ajudaram a apoiar a alta do preço da commodity.
- A equipe de Metals Research da Refinitiv acredita que o preço do ouro continuará sendo impulsionado por medidas de estímulo sem precedentes, taxas de juros baixas (ou mesmo negativas), desaceleração econômica global e contínuas tensões geopolíticas.
A pandemia de Covid-19 funcionou como um gatilho para a alta do ouro, conforme investidores amedrontados começaram a se refugiar em ativos mais seguros. Além disso, bancos centrais ao redor do globo tiveram de injetar grandes somas de dinheiro na tentativa de ressuscitar as economias de seus países.
Como resultado, temos visto uma redução adicional nas taxas de juros e, em alguns casos, desvalorização da moeda –a fraqueza do dólar americano, por exemplo, foi particularmente favorável ao ouro.
Também é preciso considerar que a cotação do metal vem sendo ainda mais favorecida pelas tensões latentes entre EUA e China.
O preço do ouro passa de US $2.000 por onça
O ouro já apresentou uma alta de 27% desde o início de 2020, o melhor desempenho já registrado. Para se ter uma ideia, somente em julho a cotação do metal subiu 12%, atingindo níveis recordes.
O ímpeto de valorização da commodity se estendeu até este mês, com o seu preço passando a níveis nunca vistos até quebrar a barreira de US$ 2.000 por onça no início de agosto.
Na semana passada (11 de agosto), no entanto, testemunhamos a queda mais acentuada dos últimos sete anos, o que levantou dúvidas sobre o recente rally: ele já teria chegado ao fim ou o tombo foi somente um revés temporário?
O desmoronamento do preço do metal ocorreu em meio a rendimentos crescentes do tesouro norte-americano e notícias sobre a aprovação regulatória pela Rússia de uma vacina para combater a Covid-19. Porém, podemos dizer que a onda de liquidação do ativo já era amplamente esperada, uma vez que a realização de lucros em tais níveis de preços é algo inevitável.
Diante do atual cenário, as perspectivas para o ouro parecem, sim, promissoras, embora a realização de lucros possa levar a um período de consolidação no curto prazo.
Assista o vídeo Refinitiv Perspectives LIVE — Precious Metals Covid-19 Impact: One to rule them all?
Coronavírus e a economia global
O baque provocado pela Covid-19 na economia global pode ser mais bem compreendido pela análise de dados internacionais.
O PIB dos EUA, por exemplo, sofreu uma alarmante contração de 32,9% no segundo trimestre. E, de acordo com os dados mais recentes do Reino Unido, nesse mesmo período a sua economia mergulhou em uma recessão profunda, com queda de 20,4% no PIB em relação ao trimestre anterior.
Enquanto isso, dados divulgados pelo Departamento do Trabalho norte-americano mostraram que os pedidos de auxílio-desemprego para a semana encerrada em 25 de julho foram de 1,4 milhão. As expectativas sobre um projeto de lei de alívio econômico para acalmar a economia do país também mantiveram os investidores em suspense, com democratas e republicanos em um impasse.
Se vierem outras medidas de estímulo, o ouro pode se beneficiar. As equities continuam a ser sustentadas pela enorme quantidade de liquidez que entrou no mercado como resultado de pacotes de auxílio financeiro, mas, se esse suporte vacilar, poderemos ver uma corrida acelerada pelo metal.
Gráfico: Crescimento trimestral do PIB dos EUA (%)
Fonte: Eikon –Clique no gráfico para solicitar um teste gratuito
O fato é que os mercados financeiros ainda estão sujeitos a instabilidade, e os desdobramentos políticos nos EUA ao longo da corrida para a eleição presidencial podem impulsionar ainda mais esse movimento –e a própria cotação do ouro. Afinal, recentemente, com menos de 90 dias para a eleição, o presidente Donald Trump sugeriu adiá-la. Isso vem levantando sérias preocupações sobre ele tentar contornar a votação em uma competição em que se encontra atrás de seu oponente por dois dígitos.
Já na frente geopolítica, as relações entre os EUA e a China pioraram no último mês. Trump indicou que pode proibir em seu país o aplicativo TikTok, de propriedade da China; e os EUA fecharam recentemente o consulado chinês em Houston. Como retaliação, a potência asiática fez o mesmo com a representação norte-americana na cidade de Chengdu.
Gráfico 2: Preço spot do ouro
Fonte: Eikon –Clique no gráfico para solicitar um teste gratuito
Rally duradouro?
No curto e médio prazo, a cotação da commodity será influenciada pelo desenvolvimento da crise sanitária causada pelo novo coronavírus em todo o mundo e, claro, seus impactos econômicos.
Os investidores seguirão monitorando com que velocidade a maior economia do mundo retomará o modo de crescimento e quando um projeto de lei de alívio econômico será finalizado.
Em meio a esse cenário de incertezas, esperamos que o ouro mantenha-se no patamar atual, mas com potencial para novos ganhos –principalmente se a pandemia piorar nos próximos meses, deflagrando uma segunda onda ao redor do globo e aprofundamento da desaceleração econômica.
Dito isto, na esteira de um aumento tão rápido do preço do metal nas últimas semanas, podemos muito bem ver um retrocesso e um período de consolidação no curto prazo, embora o quadro geral continue positivo para o ativo.
Apesar de os altos preços em muitas moedas terem reprimido a demanda física pela commodity, o investimento em ouro continua sendo impulsionado pela turbulência econômica e pela atual crise sanitária.
Atualmente, não há demanda física na Ásia, mesmo após a recente queda de preço. Na China, o desconto sobre o metal aumentou ainda mais, e na Índia os compradores devem esperar até que um novo preço de referência do imposto de importação seja definido nos próximos dias. O período entre julho e setembro é considerado um trimestre fraco para a Índia e, além disso, os consumidores do país não se sentem confortáveis comprando ouro durante períodos de alta volatilidade nos preços.
Enquanto isso, os investidores institucionais voltam-se para a COMEX e ETPs. As ações da SPDR, o maior ETF do mundo, atingiram quase 1.268 toneladas no início de agosto –o nível mais alto em mais de oito anos—, antes de diminuir um pouco nos últimos dias.
Acreditamos que as políticas monetárias e fiscais em todo o mundo continuarão a apoiar o ouro. Os rendimentos dos títulos e as taxas de juros de curto prazo provavelmente permanecerão baixos em termos nominais (e negativos em termos reais) em um futuro previsível.
Gráfico 3: Rendimento de 10 anos do Tesouro dos EUA vs cotação do ouro
Fonte: Eikon –Clique no gráfico para solicitar um teste gratuito