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Apesar da guerra na Ucrânia, tendência de alta nos mercados globais de carbono se mantém

Elizabeth Zelljadt
Elizabeth Zelljadt
Senior Analyst, Carbon Research, Refinitiv

Nova pesquisa da Refinitiv sobre os cada vez mais populares mercados de carbono ressalta a importância do trading de emissões para a redução dos gases de efeito estufa e indica uma forte expectativa de alta nas cotações até o próximo ano.


  1. Os mercados de carbono são vistos como essenciais para a redução das emissões de gases de efeito estufa. Segundo a 17ª edição de nossa pesquisa anual sobre mercados de carbono, as crescentes restrições sobre as emissões corporativas têm feito com que as empresas realmente reduzam suas liberações de gases nocivos à atmosfera.
  2. Os entrevistados também acreditam que os preços subirão significativamente em quase todos os mercados de carbono –da América do Norte à China e Europa. A maioria dos respondentes, no entanto, prevê que as cotações na Europa alcançarão € 100 ainda este ano ou no máximo em 2023.
  3. Além disso, o estudo reflete alta probabilidade de crescimento do mercado voluntário de carbono (VCM, na sigla em inglês). Após 2021, um ano recorde para o segmento, mais de dois terços dos respondentes esperam uma atividade ainda maior durante o final de 2022 e em 2023.

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A mais nova pesquisa da Refinitiv sobre mercados de carbono aponta que os Sistemas de Comércio de Emissões (ETS, na sigla em inglês) de gases de efeito estufa têm feito com que empresas do mundo todo venham reduzindo a quantidade de CO2 que liberam na atmosfera. E, felizmente, mesmo com a alta dos preços da energia na esteira da guerra entre Rússia e Ucrânia, os entrevistados veem o mercado de carbono europeu como um grande incentivo para diminuir seu nível de emissões. Já no que diz respeito às cotações das chamadas licenças de emissão de gases de efeito estufa (GEE), a expectativa é uma só: elas devem subir de forma expressiva ao longo do próximo ano.

A importância dos ETS

Os participantes da 17ª edição da Refinitiv Carbon Research,  realizada anualmente, acreditam que o Sistema de Comércio de Emissões (ETS) da União Europeia influencia os programas de corte de gases de efeito estufa (GEE) das corporações mais do que outros fatores, como políticas de energia renovável e de eficiência energética ou mesmo os altos preços da energia.

Pelo segundo ano consecutivo, a sondagem da Refinitiv enfatiza que um número recorde de respondentes avalia que o ETS da União Europeia (EU ETS) desempenha um papel fundamental na redução de emissões. Essa descoberta torna-se ainda mais significativa diante da absurda escalada de preços de energia e de combustíveis causados ​​pela guerra na Ucrânia.

Vale lembrar que nossa pesquisa foi feita vários meses depois da invasão russa –que se deu no final de fevereiro—, quando os preços globais de energia já estavam subindo, mas, mesmo assim, os entrevistados ainda citaram essa política europeia para os gases de efeito estufa (GEE) como extremamente influente para a contenção dos níveis de CO2.

Como funcionam esses mercados?

Chama a atenção o fato desta 17ª edição da Refinitiv Carbon Research revelar que 98% dos indivíduos veem o mercado de carbono como fundamental para o controle dos GEE na Europa, o índice mais alto em quase duas décadas, época em que começamos a realizar o estudo.

Diante desse dado, é preciso, antes de mais nada, esclarecer como funciona um Sistema de Comércio de Emissões (ETS). O seu principal objetivo é incentivar as empresas a emitir menos CO2 na atmosfera, tornando o direito de fazê-lo cada vez mais raro –ou, se pensarmos de outra forma, transformar a cota de emissões de cada organização em uma “mercadoria” escassa, cara, exclusiva.

Para isso, os reguladores estabelecem um limite para o volume total de emissões que usinas de energia e instalações industriais europeias podem adicionar à atmosfera ao longo de um ano, exigindo que elas comprem licenças (autorizações da União Europeia ou dos EUA) para fazê-lo. Além disso, esse limite diminui com o tempo, o que fará com que as emissões totais do conjunto de entidades abrangidas também caiam.

Bem, essas são as regras básicas dos ETS, e, desde que respeitadas, as corporações podem determinar a sua própria maneira de cortar CO2, escolhendo o que funciona melhor para cada negócio.

O Refinitiv Commodities Research ajuda a decifrar os mercados globais de commodities, capacitando os traders do setor a tomar decisões de negócios mais bem embasadas

Em operação desde 2005, o Sistema de Comércio de Emissões (ETS) da União Europeia está passando por uma grande reformulação de acordo com o plano Fit for 55 da UE. Ou seja, as agências reguladoras vêm discutindo sobre possíveis ajustes no sistema a fim de atingir a meta geral da Europa de baixar as emissões de gases de efeito estufa (GEE) em pelo menos 55% até 2030.

Não é de admirar, portanto, que os participantes da pesquisa enxerguem o mercado de carbono europeu como um grande impulsionador desse objetivo –além de já darem como certo que os preços das licenças de emissões vão explodir no futuro próximo.

Entre as razões para o provável salto nas cotações, está o fato de que o sucesso da meta climática de 2030 depende, em grande parte, de um aperto na oferta de licenças dos EUA, o que fará com que os valores disparem.

A maioria dos respondentes vê os preços do contrato de referência do mercado da União Europeia subindo para € 100 ainda neste ano ou em 2023. Atualmente, eles variam de € 80 a € 90.

É importante dizer, contudo, que a guerra na Ucrânia tem um papel importante em tudo isso, tanto diretamente, em termos de aumento dos preços dos produtos energéticos, quanto indiretamente, por obrigar os líderes europeus a afastar a economia do continente dos combustíveis fósseis o mais rápido possível.

Tornar-se independente dos combustíveis fósseis providos pela Rússia tornou-se agora uma das principais prioridades da Europa, o que reforça a necessidade de eficiência energética, rápida construção de plantas de energia renováveis e corte imediato das emissões de GEE.

Preços de carbono em alta ao redor do globo

Essas expectativas –bastante otimistas, diga-se— não se limitam ao ETS da UE. O estudo aponta que outros grandes mercados de CO2, como a Iniciativa Climática Ocidental (WCI) e a Iniciativa Regional de Gases de Efeito Estufa (RGGI), também deverão ver aumentos significativos nos preços das licenças de emissão.

Enquanto o contrato de referência para uma licença no WCI variava de US$ 14 a US$ 18 (~€ 12-16) entre 2017 e 2020, no ano passado o preço médio desse mesmo contrato estava entre US$ 25 a US$ 35 (~€ 21-30).

Vale dizer que os dois programas norte-americanos, o WCI e o RGGI, também estão passando por reformas. A maior jurisdição participante do WCI é a Califórnia, estado que até 2050 tentará reduzir suas emissões em 80% na comparação com os níveis de 1990. E, ao contrário do RGGI, sua contraparte da costa leste e que cobre apenas usinas de energia, a WCI também abrange o setor de transporte, afetando os preços da gasolina, que já são mais altos na Califórnia do que na maioria dos EUA.

A pesquisa também revela grande otimismo sobre os preços no ETS nacional da China, que começou a operar para valer em julho de 2021. Embora o valor médio ponderado de uma licença de emissão nesse sistema tenha sido de cerca de 44 CNY por tonelada (~€ 6) em 2021, a expectativa agora é de que variem de 50 a 70 CNY neste e no próximo ano.

Os analistas do mercado de carbono chinês também esperam bons resultados da inclusão de setores adicionais no ETS. Embora hoje em dia ele cubra apenas o setor de energia, a intenção do programa sempre foi incluir uma parcela maior da economia da China, com mais indústrias sendo adicionadas ao longo do tempo. Questionados sobre quais setores serão os próximos, os entrevistados apostam em peso no segmento de produção de ferro e aço.

O fato de os metais aparecerem na lista acima reflete as preocupações chinesas com o Carbon Border Adjustment Mechanism (CBAM), que deverá impor uma taxa sobre as importações de produtos intensivos em carbono na medida em que o custo das emissões associadas à sua fabricação não esteja refletido em seu preço.

Como a China é um dos maiores exportadores mundiais de ferro e aço, a Europa pode começar a aplicar o CBAM nos próximos anos. Mas, se esses metais já estiverem cobertos por um preço de carbono na China, a taxa para importá-los para a UE deverá ser correspondentemente menor.

Podemos dizer, inclusive, que a criação do CBAM vem estimulando medidas de precificação do carbono até em países notórios pela falta de políticas climáticas. Vários dos parceiros comerciais da União Europeia, como Turquia, Marrocos, Indonésia e Vietnã (cujos produtos podem ser afetados pela taxa de carbono), já adotaram impostos sobre a emissão corporativa de CO2, sistemas de comércio de emissões e outras medidas que afastam a necessidade de um mecanismo de ajuste de fronteira.

Mas e a competitividade?

Esses países estão preocupados pela mesma razão pela qual a UE teve a ideia de criar um CBAM: nivelar o campo de jogo.

Nossa pesquisa indica que há entre as empresas europeias cobertas pelo EU ETS o receio de que suas mercadorias perderão participação de mercado em relação aos concorrentes não sujeitos a preços de carbono em seu país de origem.

E constatamos que as opiniões sobre isso mudaram bastante nos últimos anos. Enquanto 63% dos entrevistados consideravam o EU ETS como “prejudicial” ou “de alguma importância” para sua competitividade em 2017, 95% tinham essa visão em 2021, e em 2022, 100%.

Por outro lado, entre os participantes, ninguém transferiu seus negócios para fora da UE devido aos custos de carbono (e apenas um está pensando em fazê-lo).

Interesse crescente em mercados voluntários de carbono

Os resultados de nossa pesquisa também refletem fortes expectativas de crescimento para o mercado voluntário de carbono (VCM, na sigla em inglês), em que entidades corporativas ou indivíduos compensam suas emissões comprando unidades de redução de carbono (conhecidas como créditos de carbono ou compensações) para atingir as metas de neutralidade de CO2.

Em 2021, novas marcas foram estabelecidas no mercado voluntário, tanto em volumes quanto em valores. O faturamento atingiu um valor anual sem precedentes, US$ 1 bilhão, e um recorde de 300 milhões de toneladas foram negociados.

Mais de 70% dos entrevistados supõem que os volumes de 2022 e 2023 serão ainda maiores, apesar das crises globais de energia e commodities deflagradas pela guerra na Ucrânia.

Em relação aos compradores corporativos de créditos de carbono, a sondagem mostra que o padrão para o qual as unidades de compensação negociadas são certificadas é o que mais importa nas decisões voluntárias de compra.

Questionados sobre quais fatores influenciam sua escolha de compensações, a grande maioria (73%) dos entrevistados citou a respectiva certificação ou padrão da unidade, seguido pelo tipo de projeto (64%) e localização do projeto (59%).

É importante ter em mente que o VCM é um mercado pequeno em comparação aos mercados de carbono estabelecidos pelos governos, os ETS. Para se ter uma ideia, ETS administrados por países como Coreia do Sul e Nova Zelândia têm faturamento maior do que o mercado voluntário global.  Além disso, o trading voluntário ainda é principalmente de balcão, e as transações são relatadas de forma um tanto arbitrária, apesar dos esforços das bolsas e agregadores para padronizar tanto os créditos de compensação quanto as transações.

O Refinitiv Commodities Research ajuda a decifrar os mercados globais de commodities, capacitando os traders do setor a tomar decisões de negócios mais bem embasadas