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Como a Ucrânia transformou os mercados globais de commodities

Em 2022, os mercados de commodities enfrentaram turbulências causadas pela guerra na Ucrânia e as consequentes sanções impostas à Rússia. Mas, além de afetar os preços de mercadorias básicas em todo o mundo, a atual crise teve profundo impacto em inúmeros setores da economia.


  1. A invasão russa à Ucrânia influenciou o desempenho de muitas commodities ao longo de 2022.
  2. A guerra em uma região que é conhecida como celeiro do mundo gerou, instantaneamente, volatilidade e altas drásticas nos preços das commodities. Em resposta, novos fornecedores entraram em cena para compensar a escassez de alguns produtos e amenizar o impacto nos mercados de commodities globais.
  3. Agora, cerca de um ano após o início do conflito, podemos dizer que vários mercados de commodities foram permanentemente transformados.

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Gás

O mercado europeu de gás enfrentou uma situação sem precedentes em 2022. Repetidas vezes, as cotações chegaram às máximas históricas, preparando o terreno para grandes mudanças nos padrões de consumo da população e desencadeando discussões sobre a estruturação do setor e limites de preços.

Com a suspensão da maior parte do fornecimento de gás da Gazprom para a União Europeia, os preços subiram, transformando o continente em um mercado premium para o Gás Natural Liquefeito (GNL) e impulsionando a construção de novos terminais de regaseificação de GNL na Europa.

A alta cotação do gás ajudou a trazer mais GNL para a região, substituindo assim a maior parte da oferta russa. Mas o restante do déficit foi superado principalmente por meio da redução da demanda. Nestes últimos meses, inclusive, ela despencou ainda mais, em função do baixíssimo consumo residencial ocasionado por um padrão climático mais ameno do que o previsto.

Na Europa Ocidental, a redução da demanda chegou a 40-45% no período de setembro a dezembro de 2022, mas, segundo nossos modelos, flutuou majoritariamente na faixa de 10-20%.

Tais medidas e eventos ajudaram a UE a elevar seu armazenamento de gás para 95% até 1º de novembro de 2022, bem acima da meta de 80%.

Consumo reduzido, amplos estoques de gás (88% em 11 de dezembro) e fornecimento robusto de GNL continuam a injetar confiança no mercado.

Agora, os maiores riscos encontram-se em picos prolongados de demanda relacionados ao clima. Se ocorrerem com certa frequência, esses picos de consumo podem acabar com o estoque disponível de gás e impedir o reabastecimento completo até o próximo inverno.

Fonte: Refinitiv (15 December 2022).

Yuriy Onyshkiv, Senior Analyst, Supply Chain and Commodities Research

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Petróleo

Depois de os preços explodirem e o barril de petróleo ser negociado a mais de US$ 125, o mercado europeu voltou aos níveis de janeiro de 2022.

Embora as exportações russas para a Europa tenham diminuído, isso foi compensado pela importação de produtos de qualidades semelhantes do Oriente Médio, América Latina e Angola, além da crescente oferta do campo norueguês Johann Sverdrup.

Desse modo, a Europa conseguiu estocar barris de acidez média no terceiro trimestre de 2022, o que pode ajudá-la a enfrentar futuros momentos de escassez.

No entanto, mesmo sem uma redução na oferta geral, o deslocamento de barris russos para a Ásia acabou resultando em altos custos de frete.

Essa tendência deverá ganhar ainda mais força após a imposição do G7 e da União Europeia para que houvesse um teto de preço de US$ 60 por barril de petróleo russo.

Antes da invasão da Ucrânia, a Europa dependia da Rússia para 50% a 55% de suas necessidades de diesel. Esse número chegou a rondar os 40% nos meses seguintes ao início da guerra, mas, desde então, voltou ao topo dessa faixa. Ou seja, os compradores estão claramente estocando combustível, o que deve deixá-los mais bem preparados para o próximo inverno.

As incertezas, contudo, deverão retornar agora na primavera, quando o armazenamento europeu precisar ser preenchido e a Rússia buscar novos destinos para seus 3,5 milhões de toneladas de diesel.

Para onde todos esses barris serão exportados e como a Europa conseguirá substituir o diesel russo que vai faltar são fatores cruciais para moldar o mercado e o preço da commodity.

Fonte: Refinitiv (15 December 2022).

Ehsan-Ul-Haq & Raj Rajendran, Lead Analysts, EMEA – Oil & Shipping Research

Carvão

Os mercados globais de carvão foram bastante afetados pela guerra na Ucrânia.

Uma redução nos fluxos de gás russo para a Europa em 2022 –combinada a um nível mais baixo de geração nuclear—, levou a um aumento na geração de carvão duro europeu. E isso, por sua vez, sustentou uma forte demanda por carvão térmico marítimo (high-CV).

A proibição da UE às importações de carvão russo, juntamente com sanções informais de outras nações importadoras de carvão, como o Japão, contribuiu para o aperto no mercado de carvão térmico (high-CV) de origem não russa. E isso, claro, se refletiu em preços recordes em 2022.

Para se ter uma ideia, a cotação front-month do principal benchmark europeu de importação de carvão térmico, API2, subiu para US$ 438/t no início de março. E, embora os preços tenham caído desde então, eles ainda estão bem acima de seu histórico de longo prazo do pré-guerra.

No que diz respeito à oferta, os períodos de chuvas acima do normal nas regiões de mineração de carvão da Austrália reduziram as exportações de carvão do país. Além disso, o setor teve de lidar com sérios problemas de logística na África do Sul e limitação de fornecimento de carvão da Colômbia devido ao fechamento de minas e bloqueios de uma linha férrea que se conecta à grande mina de Cerrejón.

Diante desse cenário, acreditamos que o fornecimento de carvão térmico marítimo (high-CV) provavelmente continuará apertado ao longo deste ano. Conforme declarou a maior mineradora de carvão marítimo do mundo, Glencore, sua produção global será de 105-115 Mt em 2023, em linha com sua orientação de 106-114 Mt para 2022.

Toby Hassall, Lead Analyst – Coal Market Research, Supply Chain and Commodities Research

Commodities agrícolas

A guerra na Ucrânia afetou diretamente a região do Mar Negro, principal fonte de grãos e oleaginosas do Oriente Médio, África e de muitos países europeus e asiáticos.

Com as interrupções e perdas na produção agrícola da Ucrânia, a oferta e a demanda global de grãos e oleaginosas foi fortemente impactada. Como resultado, os preços das commodities agrícolas continuam a flutuar, acompanhando o curso da guerra e as complexas operações dos embarques de grãos do Mar Negro.

A invasão russa reduziu bastante a produção da safra 2022/23 da Ucrânia. Em 2022, apenas 67 milhões de toneladas de grãos e oleaginosas puderam ser colhidas, em comparação com mais de 106 milhões de toneladas da temporada anterior, de acordo com o Ministério de Política Agrária e Alimentação do país. Vale dizer que de toda a produção do ano passado, mais de dez milhões de toneladas de grãos vieram de territórios ocupados.

Para a safra 2023/24, o alto custo dos fertilizantes combinado com as dificuldades de comercialização e transporte dos grãos pode obrigar os agricultores a reduzir o plantio de grãos no inverno em cerca de 30 a 40%. E as plantações desta primavera permanecem incertas, dependendo de suprimentos (sementes, fertilizantes etc.), bem como da recuperação dos embarques de grãos do Mar Negro.

Em relação ao impacto que o conflito vem causando no comércio do Mar Negro, as perspectivas são sombrias. A Ucrânia, como um dos maiores exportadores de grãos e oleaginosas, tinha capacidade de abastecer o mercado global com mais de 60 milhões de toneladas de trigo, cevada, milho, óleo de girassol, etc. Mas, cerca de 90% das exportações saíam dos portos ucranianos do Mar Negro, que encontram-se bloqueados pela marinha da Rússia desde o início da guerra, em fevereiro de 2022.

Apesar das exportações de grãos estarem sendo feitas pelo oeste do país por ferrovias e caminhões e com a ajuda dos portos da bacia do Danúbio Izmail e Reni, grandes quantidades de grãos ficaram encalhadas em território ucraniano enquanto os mercados globais estavam com grave falta de suprimento.

Para contornar a situação, em 22 de julho de 2022, bloqueios russos em três portos ucranianos do Mar Negro foram removidos pela “Black Sea Grain Initiative”, ação intermediada pela ONU e pela Turquia para garantir o transporte seguro de grãos e alimentos dos portos ucranianos.

Na sequência, as exportações ucranianas de grãos e oleaginosas subiram para 3,8 milhões de toneladas em agosto, e 6,0 milhões de toneladas entre setembro e outubro (próximo ao ritmo normal de exportação).

A iniciativa foi estendida por 120 dias em novembro, garantindo as exportações da Ucrânia nos quatro meses seguintes. No geral, o país exportou quase 18,1 milhões de toneladas de grãos de julho a novembro na temporada 2022/23 (30% abaixo do mesmo período em 2021), como mostram dados do Ministério da Agricultura.

Com a redução na produção, os suprimentos de milho e trigo da Ucrânia para 2022/23 encolherão quase 17 milhões de toneladas em relação ao ano anterior. E em função das dificuldades no transporte, as exportações de milho e trigo da Ucrânia em 2022/23 estão projetadas em 23,4 milhões de toneladas, queda de 22 milhões de toneladas em relação à temporada anterior.

Em meio a esse panorama, ressaltamos que com uma menor oferta da Ucrânia, explodem os riscos de escassez de grãos nos mercados globais. Portanto, é preciso focar nos potenciais ganhos de produção em países como Brasil, Canadá, Austrália (e mesmo Rússia), que podem vir a compensar o impacto da redução da oferta ucraniana.

Libin Zhou, Svetlana Malysh e Anna Drewnik, Agricultura e Pesquisa do Clima

Energia

A guerra na Ucrânia e a redução do fornecimento de gás russo para a Europa fizeram com que os preços de gás europeus tocassem as máximas no ano passado. Isso, por sua vez, gerou um custo marginal elevado para a eletricidade produzida em usinas termelétricas que usam gás natural como combustível.

Assim, no final de agosto de 2022, o custo marginal de uma central a gás com 50% de eficiência já tinha subido para 667€/MWh, enquanto os níveis nos anos 2014-2020 estiveram na faixa de € 30-60/MWh.

No mercado físico de eletricidade para Day Ahead, o preço é definido pela última unidade marginal necessária para atender a demanda. E, em um grande número de horas em 2022, essa eletricidade foi produzida com gás, gerando custos estratosféricos.

Uma das razões para essa alta dependência de gás ao longo de 2022 é que o fornecimento de eletricidade a partir de energia hidrelétrica e nuclear foi significativamente menor do que nos anos anteriores.

É preciso ter em mente que no ano passado a Europa foi atingida por uma seca que fez com que os índices de precipitação acumulados na região dos Alpes, Espanha e países nórdicos ficassem 75 TWh abaixo do normal. O maior déficit foi na França, com 27 TWh a menos de precipitação do que o habitual.

Além disso, a produção nuclear tem sido baixa. Na França, a geração nuclear disponível foi a menor em mais de 10 anos. Isso foi ocasionado sobretudo por problemas de corrosão e um grande acúmulo de trabalhos de manutenção, mas também pela falta de água de resfriamento durante um verão quente e seco.

Na Alemanha, o descomissionamento de 4 GW de capacidade nuclear em 31 de dezembro de 2021 cortou a produção nuclear para metade dos nível dos anos anteriores. Mas os altos preços do gás e a situação de oferta apertada na Europa obrigaram o governo alemão a manter ou trazer de volta mais de 7 GW de capacidade de carvão e linhito que, de outra forma, teriam sido desativados. Isso elevou a produção anual de energia de carvão e linhito para o nível mais alto desde 2018.

Em outubro, a Alemanha decidiu que os três reatores nucleares restantes continuariam operando até meados de abril de 2023, embora sem reabastecimento. Em fevereiro, a produção de energia eólica e solar atingiu um recorde de 35 GWh/h na Alemanha, a maior produção mensal da história. No país, a energia eólica e, especialmente, a solar continuam em rápida expansão.

Em função dos altos preços da eletricidade, a demanda foi praticamente “destruída” em toda a Europa em 2022. Para países como França, Itália e Reino Unido, a queda da demanda foi de 6% apenas no segundo semestre de 2022, enquanto na Alemanha, de 8%.

Quanto a valores, o preço da eletricidade na França ficou muito acima dos níveis dos anos anteriores durante a maior parte de 2022, atingindo cotação mensal máxima de € 493/MWh em agosto. O preço médio na Alemanha foi de € 465/MWh no mesmo mês, enquanto o do sistema nórdico, € 223/MWh.

Fonte: Refinitiv (15 de dezembro de 2022).

Ole Tom Djupskaas, Market Expert, Nordic Power, Supply Chain and Commodities Research

Carbono

Com a invasão da Ucrânia, foi preciso estabelecer um novo paradigma para a política energética e climática da Europa. À medida que os preços europeus da energia atingiam máximas históricas em meio à volatilidade ímpar, o mercado de carbono não foi exceção.

Depois do boom de 2021, quando o custo de emissão de carbono chegou a triplicar na Europa, novos recordes foram estabelecidos. No início de 2022, o valor da Licença de Emissão de Carbono europeia estava em cerca de € 100/t, mas oscilou drasticamente até estacionar em € 80/t (ainda quase três vezes mais do que o preço de 2021). Enquanto isso, o benchmark nos EUA está sendo negociado perto dos € 90/t.

Mas, afinal, o que causou a queda do preço do carbono? E sua posterior recuperação?

Bem, a liquidação de posições nos EUA para cobrir custos energéticos, preocupações com interrupções na demanda e altos preços de energia, além de investidores internacionais minimizando a exposição a ativos europeus, criaram um efeito bola de neve que acabou causando um crash.

Os temores iniciais de que a invasão da Ucrânia colocaria a agenda climática em segundo plano e atrasaria as negociações para fortalecer sua principal ferramenta climática –o Sistema de Comércio de Emissões da UE (EU ETS) – mostraram-se injustificados.

A guerra levou, isso sim, os líderes europeus a declarar a segurança energética e a independência dos combustíveis fósseis russos como prioridade máxima. E isso deverá ser alcançado com um apelo ainda maior à eficiência energética, aceleração da construção de plantas de energia renovável e urgência da redução das emissões de gases de efeito estufa.

Nesse sentido, a guerra na Ucrânia pode adiantar a implementação de uma política energética mais sustentável na Europa. No final de dezembro, os legisladores da UE chegaram a um acordo para a reforma do Sistema de Comércio de Emissões da UE (EU ETS) durante as negociações do pacote “Fit for 55”, o que fortalece o propósito do EU ETS enquanto expande o seu escopo para setores como o rodoviário e de transporte marítimo.

Para garantir a segurança de seu abastecimento energético, a Europa recorreu temporariamente à revitalização de antigas usinas de carvão. Assim, é provável que as emissões do setor de energia europeu aumentem em 2023, o que também faz saltar a demanda por licenças das concessionárias.

Por outro lado, preocupações com a desaceleração econômica (devido ao aumento vertiginoso dos preços de energia) e vendas extras de licenças para arrecadar € 20 bilhões para o financiamento do plano REPowerEU podem “segurar” o valor do CO2 na Europa.

Para o time Refinitiv Carbon Research, o preço da licença EU ETS será em média de € 70 ao longo deste ano.

Evolução do preço europeu do carbono (front-Dec EUA) desde janeiro de 2022 (euro/t)

Yan Qin, Lead Analyst, Supply Chain and Commodities Research

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