A mudança de posição da nova administração dos EUA sobre o Acordo de Paris terá pouco impacto imediato nos mercados de carbono, mas a longo prazo –e principalmente com os esperados avanços nas esferas corporativas e geopolíticas— o panorama se mostra positivo.
- A volta dos EUA para o Acordo de Paris terá pouco impacto imediato nos mercados de carbono.
- Os mercados de carbono existentes são regionais, não globais, tanto que os da União Europeia, da China e da América do Norte vem sendo regidos e influenciados por políticas locais específicas.
- De maneira geral (e no longo prazo), a presidência de Biden deve se mostrar benéfica para os mercados de carbono, com mudanças projetadas tanto nas arenas geopolíticas quanto corporativas.
Os EUA retornaram oficialmente ao Acordo de Paris, trazendo enorme alívio para os líderes globais, já que o país é o segundo maior emissor de carbono do planeta.
E, quando se trata de conduzir políticas internacionais para combater a mudança climática, ter a nação mais rica do mundo como parceiro é fundamental. Isso porque, além de contribuir para o senso de união do Acordo, pode encorajar outros governos a assumir metas de redução de emissões mais ambiciosas.
De que forma o retorno dos EUA ao Acordo de Paris vai impactar os mercados de carbono?
Como os mercados de carbono representam ferramentas para atingir as metas de redução de emissões de gases e, consequentemente, combater a mudança climática, pode-se supor que a readesão dos Estados Unidos ao Acordo de Paris teria um impacto acentuado nos sistemas de trading de emissões, com a notícia deflagrando uma certa volatilidade nos mercados de carbono.
Isso, no entanto, não vem ocorrendo. Ou seja, parece que o comércio de carbono é relativamente imune aos caprichos dos países na hora de fechar acordos nessa área, já que os mercados de CO2 existentes são locais, e não globais.
Embora esse setor já movimente coletivamente mais de € 200 bilhões e só faça crescer (confira nosso relatório de 2020, “Carbon Market Year in Review”), são as políticas regionais que importam. Afinal, o EU ETS surgiu em decorrência de decisões da União Europeia; o novo ETS nacional da China foi resultado de regulações domésticas; e os dois mercados de carbono da América do Norte, WCI e RGGI, resultaram de diretrizes de estados dos EUA e de uma província canadense.
Inclusive, chegamos a ressaltar isso em 2016, quando a eleição de Trump gerou preocupação de que suas políticas criariam volatilidade no WCI e RGGI. Apesar de seu mandato, de forma geral, ter sido ruim para o meio ambiente, pouco significou para os preços, volumes ou qualquer outro aspecto desses dois sistemas de trading de emissões.
Como eles são administrados pelas jurisdições participantes (e para atingir os objetivos delineados por elas), não estão sujeitos aos arbítrios da administração nacional dos EUA. Aliás, mesmo com a pandemia, ambos mercados chegaram a ganhar valor em 2020, já que as expectativas de limites mais rígidos em um futuro próximo levaram a um aumento geral no preço médio da concessão.
Haverá um mercado nacional de carbono nos EUA?
A outra expectativa que precisa ser avaliada é a de que, em breve, os EUA formarão um mercado nacional de carbono, já que o novo presidente mostra-se a favor da mitigação das mudanças climáticas e o Congresso é majoritariamente democrata.
Como durante o primeiro mandato de Barack Obama as leis que regem esse mercado chegaram quase a ser unificadas no país, os observadores argumentam que agora as condições estão maduras suficientes para que isso ocorra.
Em 2010, um projeto de lei para estabelecer um sistema de limite e de trading nos EUA semelhante ao do EU ETS foi aprovado na Câmara, mas não obteve maioria no Senado. Essa foi a ocasião em que uma proposta desse tipo esteve mais perto de de se transformar em lei, mas atualmente, mais de uma década depois, o panorama legislativo no país encontra-se bem diferente.
Apesar de os democratas serem maioria no Congresso, a margem é menor do que a de 2010, além de estarem divididos em uma série de facções que Biden vem fazendo de tudo para unir. A facção mais jovem, alinhada ao movimento de justiça ambiental, se opõe veementemente às medidas de redução de emissões baseadas no mercado, pois consideram uma maneira de as empresas “pagarem” para se livrarem de controlar a própria poluição.
Até o senador Ed Markey, que há mais de uma década foi coautor das leis que regem o ETS, sugeriu que o governo de Biden deveria buscar um padrão nacional de energia renovável em vez de um mercado de carbono.
Com a pandemia, políticas envolvendo esquemas de trading de carbono que parecem favorecer a “turma de Wall Street” (por incluir negociação de derivativos, brokers, bancos e entidades corporativas) têm sido encaradas de forma negativa quando comparadas à eficiência energética ou a projetos de energia renovável que são relacionados à redução da pobreza e à criação de empregos.
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A nova presidência é positiva para os mercados de CO2
Apesar das considerações feitas até agora, é preciso deixar claro: a chegada de Biden à presidência e o fato de os EUA terem retornado ao Acordo de Paris ainda são benéficos para os mercados de carbono. Isso porque, antes de mais nada, ajudam a melhorar a relação com países que investem pesado nessa atividade.
A primeira ligação de Biden para o presidente chinês Xi Jinping incluiu uma conversa sobre as mudanças climáticas, no exato momento em que a China inicia o trading em seu novo ETS nacional.
Além disso, a plataforma da campanha presidencial de Biden foi baseada na incoporação de medidas para a mitigação da mudança climática na política comercial dos EUA. E isso envolveu a discussão de ajustes nas fronteiras de CO2, que a UE também está analisando paralelamente à revisão do RCLE UE.
Na esfera corporativa, as empresas também estão mudando sua postura. A Câmara de Comércio dos EUA (o maior lobby empresarial do país) se opôs à precificação do carbono sob Trump, mas desde janeiro seu site diz que o grupo “apoia uma abordagem baseada no mercado para acelerar as reduções de emissões de GEE em toda a economia dos EUA.”
Algumas companhias de energia, como a Shell, endossaram publicamente o ato de Biden de voltar ao Acordo de Paris, citando o pacto como um incentivo a seus supostos movimentos de transição dos combustíveis fósseis para a energia renovável.
A nossa mensagem, portanto, não é para que se espere algum tipo de bonança a partir do trading de carbono só porque os EUA são novamente parte do acordo climático global. Mas, quando se trata das condições gerais sob as quais os sistemas de comércio de emissões operam, a tendência, definitivamente, é positiva.
Com eventos climáticos desastrosos tornando as mudanças ambientais cada vez mais palpáveis, e governos –agora, inclusive os EUA— assumindo a redução de emissões como prioridade, devemos testemunhar uma intensa atividade nos mercados globais de carbono nos próximos anos.
E nós, da Refinitiv Carbon Research, continuaremos a monitorar e analisar todos os desdobramentos nesse setor. Acompanhe-nos!
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