Ed Cropley, editor assistente do canal Breakingviews, da Reuters, faz uma análise exclusiva para nosso blog a respeito do impacto do conflito entre Rússia e Ucrânia sobre os preços globais de alimentos básicos.
- Desde seu início, no final de fevereiro, a guerra entre Ucrânia e Rússia tem levado ao aumento do preço de diversas commodities, como o trigo.
- Infelizmente, parece certo que os países pobres serão os mais afetados pela valorização dos alimentos básicos ao redor do globo.
- Uma escalada na cotação desse tipo de commodity poderá provocar um “efeito borboleta” nos mercados internacionais.
Este artigo foi escrito por colunistas e editores da Reuters Breakingviews para veiculação no blog Refinitiv Perspectives. A Refinitiv é a fornecedora exclusiva de notícias da Reuters para a comunidade financeira.
A Rússia está espalhando as sementes da instabilidade política pelo mundo.
Desde o fim de fevereiro, quando Moscou iniciou a invasão em grande escala da Ucrânia, os preços do trigo, milho e soja dispararam para níveis recordes (ou quase recordes).
É preciso lembrar que, em 2007, um aumento dessa magnitude no preço dos grãos foi responsável por falta de alimentos e revoltas populares em países da África e da Ásia. Só que agora, a “crise do pão” que se avizinha pode ser muito pior.
Preços de commodities agrícolas: em alta desde antes do conflito
Mesmo antes de Vladimir Putin dar sinal verde para a invasão à Ucrânia, o custo de produtos alimentícios básicos, como trigo e aveia, já vinha subindo de forma acentuada à medida que a demanda, em queda durante os últimos dois anos devido à pandemia, ganhava tração.
Em fevereiro, o Índice de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) avançou 21% em relação ao ano anterior. E, desde então, a cotação do trigo, que girou em torno dos US$ 5 o bushel durante grande parte da última década, saltou quase 80%, para mais de US$14 por bushel.
Nesse meio tempo, os traders internacionais vem se mostrando cada vez mais preocupados com as interrupções nas exportações da Rússia e da Ucrânia, que juntas respondem por quase 30% do trigo que é comercializado em todo o no mundo.
Para se ter uma ideia das possíveis crises alimentares e sociais que podemos enfrentar em breve, em 2011, quando os preços dos alimentos dispararam, desencadeando protestos e uma onda de revoluções em todo o mundo árabe, o valor do bushel de trigo estava em torno de US$ 8.
Países mais pobres serão os mais afetados
Desta vez, os altos custos dos grãos serão sentidos especialmente pelos países mais pobres.
Uma família média na Nigéria, nação mais populosa da África, gasta mais de 50% de sua renda com alimentos; já nos Estados Unidos esse índice é de apenas 6%, segundo o Fórum Econômico Mundial.
No Egito –que é o maior importador de trigo do mundo devido aos generosos subsídios estatais ao pão—, o governo já está se preparando para cortar cerca de US$ 1 bilhão do orçamento deste ano, quase 1% do total de gastos planejados.
E os problemas estão apenas começando.
Embora agricultores de todo o planeta, da Irlanda ao Quênia, estejam se apressando para maximizar as futuras colheitas, ainda levará meses até que as novas safras cheguem aos mercados. Além disso, os fazendeiros têm enfrentado os altos preços do petróleo e a iminente escassez de fertilizantes, já que, mais uma vez, Rússia e Ucrânia também são grandes exportadores de minerais usados nesses produtos, como potássio.
Enquanto isso, as reservas de alimentos de diversos países estão cada vez mais baixas.
O Líbano, cujo principal silo de grãos explodiu em 2020, tem estoque para apenas dois meses, e as provisões de trigo do Egito estão no nível mais baixo já visto em uma década.
O preço dos grãos deverá impactar o mundo todo
A última vez em que o valor dos grãos subiu de forma tão dramática foi em 2007, quando o trigo disparou para mais de US$ 13 por bushel por causa das péssimas colheitas de arroz que abalaram Vietnã e na Índia.
Na esteira dessa explosão de preços, testemunhamos motins que se estenderam da Indonésia à Costa do Marfim, o México congelou os preços dos alimentos por um ano e o governo do Haiti caiu. Portanto, preparem-se, pois o mundo está prestes a passar por uma crise alimentar igualmente sombria.