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Davos 2023: descrença e melancolia deram lugar a otimismo cauteloso

Divya Chowdhury
Divya Chowdhury
Editor, Global Markets Forum

Presente na mais recente edição do Fórum Econômico Mundial em Davos, o Global Markets Forum, da Refinitiv, destaca questões abordadas por formuladores de políticas, CEOs e gestores de fundos que afetam diretamente os mercados financeiros.


  1. Apesar das preocupações com a alta da inflação, um tom de otimismo despontou no mais recente Fórum Econômico Mundial (WEF), com os participantes prevendo que os Estados Unidos e a Europa seriam afetados somente por uma leve recessão.
  2. Muitas empresas entrevistadas veem a Ásia como o potencial motor da próxima etapa do crescimento global –especialmente com a Índia assumindo agora uma posição de liderança ao lançar o 5G.
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A reunião anual do Fórum Econômico Mundial em Davos, realizada em janeiro, começou com uma nota de tristeza e melancolia, já que a perspectiva de uma iminente recessão global encontrava-se no topo da lista de preocupações dos participantes.

Para se ter uma ideia do clima inicial, dois terços dos economistas-chefe dos setores privado e público que compareceram ao WEF esperavam uma recessão global para este ano. Paralelamente, a já tradicional pesquisa anual da PwC sobre as expectativas dos principais CEOs do mundo mostrou-se a mais sombria de todas desde que a enquete foi lançada, há uma década. Como informou em Davos o presidente da PWC, Bob Moritz, ao Reuters Global Markets Forum (GMF), as empresas que se saíram bem em 2022 provavelmente deveriam se preparar para um ano mais desafiador pela frente.

Isso porque a maioria dos participantes do WEF concordavam sobre o mundo estar atravessando uma “policrise”, termo da moda para descrever as ameaças representadas por tensões geopolíticas; oscilações macroeconômicas com taxas de juros mais altas que travam o crescimento econômico; e tensões comerciais que interrompem cadeias de suprimentos –além, claro, das mudanças climáticas.

Global Markets Forum: Refinitiv e Reuters reúnem as mentes mais influentes das finanças e da política em debates sobre as principais questões do momento

Axel van Trotsenburg, diretor administrativo de operações do Banco Mundial, mostrava-se preocupado com o problema da dívida que muitas economias emergentes enfrentavam. “Isso cria um ambiente operacional muito complicado”, disse. “As três grandes bolhas de crescimento (EUA, Zona do Euro e China) estão se desenvolvendo abaixo das expectativas, e isso terá um efeito cascata”, disse Trotsenburg ao GMF.

O Banco Mundial prevê um crescimento de 0,5% para os EUA e acredita que a Zona do Euro, na melhor das hipóteses, permanecerá estável.

No entanto, à medida que a semana foi avançando, muitos formuladores de políticas e executivos seniores que se encontravam na estação de esqui suíça já pareciam menos pessimistas. Um dos sinais foi que eles começaram a admitir que talvez os Estados Unidos e a Europa enfrentariam apenas uma leve recessão este ano, ou mesmo uma desaceleração.

“Acho que o paradigma mudou radicalmente desde que acordamos em 2 de janeiro”, disse Jay Collins, vice-presidente de bancos, mercados de capitais e consultoria do Citi. “A sensação é de que a inflação atingiu o pico e … não teremos uma taxa terminal de 5,5% do Fed. Será 5% ou menos.”

“Há um sentimento sobre um 2023 mais benigno que não existia quando voltamos para casa no Natal. Não é que todos os dados mudaram radicalmente, mas mudaram o suficiente para apertar o botão ‘recalcular’ em tudo”, declarou Collins ao GMF.

O executivo do Citi acredita que o Fed pode manter as taxas nesses níveis elevados por mais tempo. “E isso significa que teremos o fim do dólar forte, o fim da percepção de que o diferencial de taxas pode continuar se espalhando e levando os fluxos de fundos dos mercados emergentes para o dólar.”

Ainda assim, os riscos percebidos pelos participantes do evento eram abundantes, incluindo pressões inflacionárias causadas pela reabertura da China, aumento da dívida no mundo em desenvolvimento e nações ocidentais lutando para reduzir a inflação para 2%.

Aberto para negócios

Em Davos, o czar econômico da China, Liu He, fez um grande discurso em prol do investimento estrangeiro, dando o tom à primeira visita ao exterior de uma delegação chinesa de alto nível desde que Pequim deixou de lado sua política de “Covid Zero”, que durou três anos.

E, como informou o presidente da Siemens Energy, Joe Kaeser, ao GMF, no verão ou no outono, a China deverá passar para a segunda fase de reforma e abertura, e isso certamente poderia ajudar o mundo a crescer e aliviar a dor de muitos países industrializados, incluindo a Europa.

Aliás, muitas empresas consultadas pelo GMF veem a Ásia como o potencial motor da próxima etapa do crescimento global.

Embora a reversão da política de “Covid Zero” da China possa representar alguns desafios no curto prazo, o CEO da Manulife, Roy Gori, espera que a atividade aumente na segunda metade do ano, impulsionando a Ásia e o resto do mundo.

Mas, como lembrou Andy Baldwin, gerente global de atendimento a parceiros-clientes da EY, nem todas as partes do mundo estão experimentando o mesmo ambiente econômico. “É muito assimétrico”, disse ele ao GMF, acrescentando que vê a Índia, partes da Ásia e Ásia-Oriente Médio seguindo em forte ritmo de crescimento.

Já Bharat Kaushal, diretor-gerente da Hitachi Índia, acredita que a Índia pode ter um papel a desempenhar, especialmente se o mundo entrar em recessão, o que será um desafio para certas indústrias. “Acho que o mundo verá a Índia além da velha ideia de ‘China mais um’. É hora de os termos ‘para a Índia’ e ‘da Índia’ ganharem o destaque devido”, disse Kaushal, destacando que esta poderia ser uma grande oportunidade para o país.

A Índia, por sinal, tem se mostrado um mercado muito importante para a Ericsson, segundo informações do diretor de tecnologia da empresa de hardware de telecomunicações, Erik Ekudden, que também fez questão de ressaltar que o país do sul da Ásia está dando um exemplo para o resto do mundo. “A Índia está no caminho de realmente assumir um papel de liderança no 5G e é por isso que estamos muito, muito certos de que o país usará essa tecnologia de ponta da maneira pretendida, que é ter cobertura de 5G em todos os lugares”, disse Ekudden.

“A Índia está crescendo rapidamente. Não ficaria surpreso se víssemos que a Índia, em termos de volumes, não apenas ultrapassará a Europa, mas igualará os EUA em relação à construção e volumes, além de se aproximar do patamar da China”, acrescentou o diretor da Ericsson.

Inflation Reduction Act dos EUA

Em Davos, Fatih Birol, diretor da International Energy Agency (IEA), declarou que a lei “Inflation Reduction Act” (IRA), dos EUA, representa uma virada de jogo para a mudança climática, embora os europeus tivessem muito do que se gabar a esse respeito.

Jay Collins, do Citi, fez coro a Birol. Ele disse esperar que o IRA direcione capital para novas tecnologias, transição energética e aceleração do financiamento de mecanismos para a transição, o que certamente será algo bom para o mundo. “EUA, Europa, China e Índia, todos [estão] tentando gastar para encontrar maneiras aceleradas de financiar a transição. Quanto mais competitivo for, melhor”, disse o executivo.

Está claro que a pressão está aumentando sobre as instituições financeiras globais para que financiem a transição para um futuro mais verde muito mais rápido do que se tem feito até agora. Mas eventos exógenos, como geopolítica e riscos de segurança cibernética, têm complicado ainda mais as coisas.

O número de organizações que se comprometem a zerar as suas emissões líquidas até meados do século disparou nos últimos anos, subindo 60%, para mais de 11.000 em setembro de 2022, segundo dados da ONU. No entanto, o mundo continua fadado a não atingir suas metas climáticas.

O diretor comercial da IBM, Rob Thomas, disse ao GMF que as empresas que inicialmente viam a sustentabilidade como um custo, agora a enxergam como uma oportunidade de aumentar a produtividade e a eficiência. “Em muitos casos, há um grande Retorno sobre o Investimento (ROI) para fazer um trabalho sustentável, seguindo práticas sustentáveis. Os projetos se pagam sozinhos, além de você ter o benefício de fazer a coisa certa, o que acredito que a maioria das pessoas quer fazer”, disse ele. “Acho que em Davos, daqui a um ano, você verá muito mais empresas trilhando esse caminho”, acrescentou.

Contudo, mesmo quando o enviado dos EUA, John Kerry, disse que o tempo estava se esgotando para o mundo enfrentar a mudança climática e que o essencial para encarar esse desafio seria “dinheiro, dinheiro, dinheiro”, os participante do WEF não conseguiram apresentar nenhuma medida mais concreta para levar o mundo a uma economia de baixo carbono a tempo de evitar os piores impactos para as comunidades mais vulneráveis.

Mas a vontade para sair desse beco sem saída (pelo menos) existe. Como disse ao GMF o chefe da IEA, Faith Birol, atingir a meta de 1,5 graus estabelecida pelo Acordo de Paris é bem difícil, mas não impossível. “Afinal, além de ser muito cedo para escrever seu obituário, seria factualmente errado e politicamente irresponsável”, afirmou.

As transcrições de todas as nossas entrevistas realizadas em Davos podem ser encontradas aqui

(Colaboraram Savio Shetty e Lisa Pauline Mattackal)

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