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É hora de redescobrir a importância dos juros

Edward Chancellor
Edward Chancellor
Breakingviews contributor

Em meio à luta global contra os altos índices de inflação,  analisamos, neste post, as causas e consequências do ambiente de taxas de juros ultrabaixas da última década e o papel dos juros na estabilização da economia.


  1. A inflação está de volta, e junto com ela veio também uma obsessão generalizada sobre a futura direção das taxas de juros.
  2. Isso, afinal, não é nenhuma surpresa, já que no passado uma certa dose de aperto monetário conseguiu manter os preços sob controle.
  3. Mas garantir a estabilidade de preços é apenas uma das muitas funções dos juros. E, ao negligenciarmos esses seus outros papeis, estamos contribuindo para a atual agitação dos mercados financeiros.

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O autor deste post é colunista do Reuters Breakingviews. As opiniões expressas aqui são pessoais.

James Grant, fundador do Grant’s Interest Rate Observer, apelidou os juros de “preço universal” por desempenharem inúmeros papéis.

Antes de mais nada,  eles representam a capitalização ou taxa de desconto sem a qual qualquer avaliação seria impossível. Afinal, como todo estudante de finanças logo aprende, o presente valor de uma empresa é calculado descontando os fluxos de caixa futuros.

“A antecipação vem sempre com desconto”, disse o escocês John Law no início do século XVIII. Já o economista austríaco Ludwig von Mises observou que se o ser humano não valorizasse o consumo no presente em detrimento do futuro, uma maçã daqui a cem anos valeria o mesmo que uma maçã hoje, o que seria um absurdo.

O impacto das taxas de juros ultrabaixas

O problema é que, nos últimos anos, temos observado muitos absurdos como esse.

Após a crise financeira global de 2008, os bancos centrais reduziram as taxas de juros de curto prazo a zero; sem falar na Europa e no Japão, que as deixaram ainda mais baixas. Além disso, as taxas de longo prazo também caíram.

Com o colapso das taxas de desconto, vimos, claro, uma grande inflação nos preços dos ativos. E as avaliações de empresas cujos fluxos de caixa estavam amparados em um futuro distante foram as mais beneficiadas. Resultado: todo esse dinheiro fácil elevou os preços dos imóveis em muitas cidades ao redor do mundo.

Mas não foi só isso. As taxas de juros baixíssimas dos últimos tempos também tiveram outros efeitos –um pouco menos óbvios, no entanto.

Como se sabe, os juros fornecem um incentivo para pouparmos, o que o economista inglês do século XIX Nassau Senior chamou de “recompensa pela abstinência”. Só que o prolongado período de taxas de juros mínimas acabou deprimindo a poupança das famílias em todo o mundo desenvolvido.

Porém, enquanto os mercados financeiros estavam em alta, nada disso parecia importar.

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Juros e alocação de capital

Os juros também influenciam fortemente a alocação de capital. Isso porque se a taxa mínima de retorno exigida pelos investidores for muito alta, investimentos que valem a pena serão deixados de lado. Mas, por outro lado, se ela for muito baixa, o capital será desperdiçado, o que interrompe o processo de “destruição criativa” que o economista Joseph Schumpeter (século XX) considerava uma característica essencial do capitalismo.

Explica-se: custos de empréstimos muito baixos podem ajudar a manter vivas companhias que cronicamente não dão lucro. Essas organizações, chamadas de empresas zumbis, foram observadas pela primeira vez no Japão no final da década de 1990, época em que o banco central do país reduziu sua taxa de juros a zero. Mas após 2008, quando os BCs dos Estados Unidos e da Europa decidiram seguir o exemplo japonês, o fenômeno se tornou mais generalizado. E, de acordo com uma pesquisa da OCDE, as empresas zumbis são parcialmente responsáveis ​​pelo fraco aumento da produtividade na última década.

O economista americano do século XIX Arthur Hadley dizia que os juros são o “preço pago pelo controle da indústria”. Assim, ao longo da última década, o financiamento barato alimentou o surgimento de grandes corporações norte-americanas, semelhante em muitos aspectos aos poderosos trusts criados por Wall Street na época de Hadley. Um dos problemas disso é que empresas que dominam o mercado tendem a investir menos, contribuindo para a desaceleração da produtividade.

Ou seja, vemos aqui, mais uma vez, um efeito negativo de taxas de juros extremamente baixas.

O “custo da alavancagem”

Às vezes, os juros também são chamados de “custo de alavancagem”.

Empresas americanas se valeram de crédito a baixo custo para gastar trilhões de dólares em recompra de ações. No curto prazo, essa engenharia financeira impulsionou os lucros e ajudou a elevar os preços das ações, mas também deixou o setor corporativo mais vulnerável ao aumento dos juros.

Além do setor corporativo, governos do mundo inteiro também aproveitaram o dinheiro fácil. Segundo o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na sigla em inglês), a dívida das economias desenvolvidas cresceu de 78% do PIB em 2009 para 115% no início deste ano.

Enquanto isso, desde a crise financeira os mercados emergentes se endividaram ainda mais, com a China liderando o caminho. Como informa o BIS, a dívida total não financeira da República Popular da China era de 294% do PIB no final de 2021, bem acima dos 154% do início de 2009. Pelo menos o crédito da China é, na maior parte, autofinanciado, pois outras economias emergentes chegaram a tomar empréstimos altíssimos no exterior.

O poder regulador dos juros

Isso tudo nos leva a um outro papel dos juros que costuma ser ignorado: de regulador dos fluxos internacionais de capital.

A história demonstra que quando as taxas de juros no centro do sistema financeiro global estão deprimidas, o crédito flui para os países em desenvolvimento, onde os juros são mais altos. Entretanto, quando os fluxos de capital se invertem, os mutuários, altamente endividados, são forçados a dar calote.

Atualmente, os investidores podem estar arrependidos de ter emprestado a empresas e governos super alavancados. Contudo, ao longo da última década, eles tiveram pouquíssima escolha: a era das taxas de juros ultrabaixas os induziu a uma corrida desesperada por rendimento.

Pesquisas recentes sugerem que quando os juros caem abaixo de um determinado nível, os investidores assumem mais riscos para manter sua renda, mas esse é um comportamento tão arraigado que no século XVIII o economista napolitano Ferdinando Galiani já chamava os juros de “preço da ansiedade”.

A questão é que agora as taxas de juros estão subindo e os preços dos ativos, caindo. E, obviamente, as pessoas estão acordando para o fato de que são menos ricas do que pensavam. Assim, muitos serão forçados a economizar mais e até adiar a aposentadoria.

Enquanto isso, os spreads de crédito corporativo estão aumentando e os carry trades transfronteiriços caíram em desuso. Já o custo do serviço da dívida pública está subindo, e vários mercados emergentes entraram recentemente em default.

Em suma, a ansiedade do setor financeiro está cada vez maior. E adivinhem o que deu origem a esse cenário?! Novamente, as taxas de juros ultrabaixas dos últimos anos.

O “preço do tempo”

Toda atividade econômica se dá ao longo de um determinado tempo. E sempre há a necessidade de algum mecanismo para garantir que a poupança e o investimento se equilibrem; manter os preços dos ativos em linha com os fundamentos; e racionar o capital, desencorajando a tomada excessiva de riscos. Esse mecanismo é o juros, mas prefiro chama-lo de “preço do tempo”.

Sua aparição na Mesopotâmia, no terceiro milênio a.C., é saudada como a maior inovação financeira de todos os tempos. Mas hoje, infelizmente, nos vemos às voltas com as várias consequências negativas trazidas pelas taxas de juros mais baixas em cinco milênios (sim, isso mesmo!). E, para que o capitalismo prospere novamente, devemos redescobrir a importância dos juros.

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