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Economia brasileira enfrenta seca de estímulos conforme torneiras monetárias e fiscais se esgotam

BRASÍLIA, 29 Out (Reuters) – A economia do Brasil entrará no próximo ano em recuperação após a queda provocada pela pandemia, mas corre o risco de perder força porque a janela para mais apoio fiscal e monetário está se fechando rapidamente.


O ministro da Economia, Paulo Guedes, insiste que as medidas emergenciais deste ano se encerrarão em 31 de dezembro, dando lugar a uma grande onda de consolidação fiscal, e economistas afirmam que as perspectivas de outro corte nas taxas de juros estão diminuindo, embora o Banco Central (BC) tenha deixado a porta aberta na quarta-feira.

Com o auxílio emergencial fornecido a milhões de famílias brasileiras caminhando para o fim, o desemprego em nível recorde e o aumento da oscilação de indicadores de confiança, muitos se perguntam de onde virá o estímulo, caso seja necessário.

“As pessoas e as empresas precisarão de apoio contínuo para manter a atividade. Até o FMI está dizendo que é necessário mais suporte fiscal, mas os parlamentares ainda estão muito cautelosos”, disse Emily Weis, estrategista para mercados emergentes da State Street em Boston.

“É um equilíbrio muito delicado, mas é preciso gastar mais”, disse ela.

Do lado da política monetária, o BC deixou clara sua relutância em utilizar a compra de títulos para reduzir as taxas de juros de longo prazo do mercado, contando com uma taxa Selic na mínima recorde de 2% e o compromisso, em seu “forward guidance”, de não aumentá-la à frente.

O comunicado da autoridade monetária após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de quarta-feira, após deixar a Selic mantida em 2%, deixou a porta aberta para outro corte “pequeno”. Mas, diante da aceleração da inflação e do aumento das preocupações com a estabilidade fiscal, analistas e traders acreditam que o próximo movimento, em relação à Selic, será de alta.

“É improvável que o Banco Central comprometa sua agenda de metas de inflação para estimular a atividade econômica, principalmente agora, devido à incerteza na política fiscal”, disse Thomaz Favaro, diretor da Control Risk, uma consultoria de risco político em São Paulo.

Por mais improvável que possa parecer, dada a perspectiva econômica altamente incerta, os traders precificam, atualmente, um aumento de 25 pontos-base nas taxas de juros até maio e de 100 pontos-base até dezembro do próximo ano.

É questionável se uma economia com dezenas de milhões de pessoas desempregadas ou subempregadas, baixo investimento e alta capacidade produtiva ociosa é forte o suficiente para lidar com taxas de juros mais altas.

A economia está a caminho de encolher a um nível recorde de 5% este ano e se recuperar 3% ou mais no próximo ano, de acordo com as projeções do mercado.

DÉCADA PERDIDA

A dívida pública e o déficit do Brasil estão entre os mais altos para qualquer nação emergente e estão no mesmo nível de muitas economias desenvolvidas que estão mais bem equipadas para suportar uma carga financeira tão pesada.

O déficit primário do governo, sem considerar os juros da dívida, deve ultrapassar 12% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, enquanto a dívida pública bruta se aproximará de 100% do PIB.

Segundo o Credit Suisse, o suporte fiscal do governo brasileiro à economia neste ano supera 8% do PIB, novamente um dos maiores do mundo emergente e superior a muitos países desenvolvidos.

A visão ortodoxa é de que simplesmente não há espaço para mais generosidade sem o Brasil romper suas regras fiscais auto-impostas, mais notavelmente o “teto de gastos”, e desencadear uma espiral de dívidas crescentes, depreciação da moeda e aumento nas taxas de juros.

O governo quer introduzir um novo programa de assistência social nomeado “Renda Cidadã” no próximo ano, que substituiria o auxílio emergencial, o qual se fundiria com o “Bolsa Família”, que custa cerca de 35 bilhões de reais por ano.

Mas não está claro como ele será financiado sem romper a regra fiscal do teto de gastos do governo, que limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior.

Os mercados financeiros estão preocupados, com o real recuando à mínima de cinco meses, a 5,80 por dólar BRBY, e a curva de juros inclinando-se 0#DIJ:.

De uma perspectiva econômica, a depreciação persistente da taxa de câmbio, uma curva de juros mais íngreme e taxas de juros de longo prazo em alta são más notícias porque reduzem as chances de estímulos adicionais de afrouxamento monetário ou gastos do governo.

E isso antes que os temores públicos sobre a pandemia da Covid-19 sejam levados em consideração. Os últimos indicadores de confiança do consumidor e das empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV) mostram que os temores da pandemia estão afetando as perspectivas para o próximo ano.

“A partir do terceiro trimestre deste ano acho que vocês verão uma forte desaceleração na recuperação. Teremos crescimento do PIB no ano que vem devido aos efeitos estatísticos, mas o ritmo de recuperação será lento”, disse Guilherme Mello, professor de economia da Universidade Estadual de Campinas no estado de São Paulo.

“A economia não tem os motores para impulsioná-lo. O PIB per capita está de volta ao nível em que estava em 2010, o que significa que literalmente perdemos uma década. O nível do PIB só voltará aos níveis anteriores à crise em 2023”, disse.