Este artigo foi publicado originalmente no Project Finance International, em 6 de abril de 2022
O conflito na Ucrânia fez com que os preços do gás e da energia em toda a Europa alcançassem níveis altíssimos, acionando um alerta a alta dependência desse combustível. Considerando esse cenário, Rod Morrison, editor do Project Finance International, explora maneiras de a indústria equilibrar a descarbonização com um fornecimento de energia seguro e acessível.
- Atravessamos tempos incomuns, e um dos indicadores disso tem sido o preço da energia ao longo dos últimos dois anos, com drásticas oscilações de um extremo ao outro.
- Enquanto focava no desenvolvimento de iniciativas energéticas sustentáveis, a Europa se tornou cada vez mais dependente de fontes externas de energia, situação que foi agravada pela recente guerra na Ucrânia.
- Diante de preços recordes nesse setor (e antes que essa maré vire), seria o caso de as geradoras de energia renovável oferecerem contratos de compra de energia (power purchase agreement ou PPAs) de longo prazo para as empresas.
As usinas de geração de energia renovável estão tirando proveito da atual situação enquanto podem.
Preços recordes no setor energético significam lucros recordes, mas apenas, é claro, se você não tiver um mecanismo de hedge. E, como operar sem essa proteção seria imprudente, poderíamos dizer o mesmo das geradoras de energia que estão obtendo ganhos sem precedentes nesse momento, não?
Em tese, sim. Mas a grande tentação no momento nessa indústria tem sido justamente se livrar das “amarras” do hedge para aproveitar as tarifas recordes (enquanto duram).
E um número cada vez maior de empresas de energia tem adotado essa abordagem, tanto pelos preços estarem muito altos como pelo número de compradores de longo prazo ser limitado –ou seja, é preciso chegar na frente.
Quando o mercado de gás voltará à normalidade?
Mesmo quando as cotações despencaram por causa da Covid-19, houve uma luz no fim do túnel, mas apenas quando a pandemia chegou ao fim.
Desta vez, provavelmente nos livraremos do preço do gás ao redor de € 200/MWh quando a turbulência política diminuir e o mercado de gás voltar à normalidade. No entanto, para a Europa, dependente do gás russo, isso ainda pode estar distante. Não dá para descartar, contudo, que o panorama mude de uma hora para a outra.
Geradoras de energia renovável, particularmente aquelas com um portfólio de ativos, serão tentadas, em sua revisão anual, a alterar a combinação entre hedge e merchant em favor de uma posição que privilegie a segunda opção.
Na verdade, com os preços no patamar em que se encontram, elas podem se ver forçadas a fazer isso.
Entretanto, uma abordagem mais prudente ainda seria encontrar compradores de serviços públicos ou corporativos que estão sob grande pressão devido ao valor pago pelo abastecimento energético. Isso porque, se a curva de preços a longo prazo se estabilizar, conseguir “travar” um valor mais alto agora para esse tipo de contrato prazo parece uma boa estratégia.

Inflação do preço da construção
Os altos preços que vemos em muitos setores da economia global, no entanto, também acabam afetando as companhias de geração de energia. Mesmo com as cotações de seu produto nas alturas, qualquer empresa que se aventure a expandir suas instalações para tirar proveito do atual cenário acabará sendo atingida pela inflação desenfreada da construção.
Para se ter uma ideia, incorporadoras que se candidataram à quarta rodada do programa “Contract for Difference” (CfD) do Reino Unido agora estão implorando por subsídios financeiros adicionais para apoiar seus projetos, sejam eles onshore ou offshore. E, quanto maior o projeto, maior a elevação de seu custo.
As tarifas de energia tocaram as mínimas (£30 – € 35/MWh) quando a pandemia de Covid-19 se instalou, na primavera de 2020. Mas agora elas alcançaram patamares inesperados, de mais de £ 200/MWh e até de € 200MWh em alguns países, à medida que a crise invade cada vez mais residências ao redor do globo.
Estamos falando, claro, da Europa. Nos Estados Unidos, fora alguns dias atípicos no Texas durante o inverno passado, e na Califórnia, em todo o verão, os preços ficaram congelados em 2021. Isso porque a revolução do fracking nos EUA foi de tal ordem que o país tem sido imune a muitos aspectos da crise energética e está, de fato, se preparando para enviar grandes quantidades de gás ao velho continente.
O impacto do conflito na Ucrânia
O preço do gás ainda impulsiona os mercados de energia, e, antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, o seu valor global estava disparando. Mas agora, é claro que há uma pressão extra.
Apesar de a energia verde se beneficiar de um mercado de gás dinâmico, seria interessante ver o que aconteceria se essa commodity fosse retirada da equação agora, como sugerem aqueles que defendem uma política net zero em oposição a uma abordagem de transição energética.
Bem, parece que a vida seria insustentável. Não é à toa que muitos governos europeus intervieram para ajudar consumidores com suas contas.
Afinal, a invasão russa mostrou que nós, na Europa, somos muito dependentes do gás ou devemos aumentar a produção?
Essa parece ser uma questão política que dominará os debates durante o verão, conforme os governos buscam aumentar seus suprimentos de gás e os defensores do net zero tornam-se mais incisivos em suas demandas.
Queda do preço do gás?
Um cenário apresentado por analistas do Citi é que os preços desse produto podem cair. Eles acreditam que com a produção dos EUA aumentando, a Rússia, a fim de combater a concorrência norte-americana, vai inundar a Europa com gás assim que a guerra chegar ao fim.
Esse, na verdade, é um debate semelhante ao que ocorreu durante o governo de Donald Trump, quando ele estava em uma missão para vender gás à Europa. Ou seja: diversificar optando pelo gás dos EUA ou manter o foco na Rússia?
Será interessante ver o que acontecerá quando a turbulência política diminuir. Ainda haverá a perspectiva de obter gás russo barato? A ver.