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Mercados de títulos MBS e AT1: a história nunca se repete, mas muitas vezes rima

Março de 2023 ficou marcado pela erupção de uma das maiores turbulências bancárias nos EUA desde a Crise Financeira de 2008, o que, ao lado dos desdobramentos no Credit Suisse, na Europa, propagou ondas de choque nos mercados globais. Desde então, bancos centrais em todo o mundo têm procurado acalmar o sentimento do mercado e reforçar a confiança dos investidores, mas é preciso seguir atento aos riscos sistêmicos.


  1. Os spreads de crédito aumentaram após a crise bancária.
  2. Mesmo com o aperto das taxas de juros, o acesso ao capital segue amplamente disponível.
  3. O sentimento do investidor foi fortemente abalado após a extinção dos títulos Adicional de Nível 1 (AT1) do Credit Suisse em meio às incertezas e maior percepção de risco.

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O que o Fed chama de “mais alto por mais tempo” se tornou “muito aperto, tarde demais”?

Antes da turbulência do setor bancário, os mercados de títulos estavam precificados com base em um cenário em que as taxas de juros do Fed ficariam “mais altas por mais tempo” a fim de domar a inflação.

Contudo, os eventos recentes alteraram o panorama financeiro e político e aumentaram a probabilidade de enfrentarmos futuras instabilidades.

No mercado de títulos lastreados em hipotecas residenciais (RMBS, na sigla em inglês), os títulos MBS típicos dos portfólios bancários já tiveram seus preços e duração ajustados de acordo com o aperto monetário ocorrido ao longo de 2022 e com a recente alta de 25 pontos-base anunciada pelo Fed no final de março.

E, como mostra o teste de estresse dos modelos básicos do Yield Book, em uma ampla gama de cenários, os títulos RMBS encontram-se razoavelmente “protegidos”.

Leia os comentários do Yield Book e da FTSE Russell sobre o impacto dos problemas bancários no mercado de RMBS

Juros altos e seus efeitos colaterais

Após o mais recente aumento dos juros em 25 pontos-base, a expectativa geral do mercado é de que o Fed eleve as taxas em mais 25 pb até o meio do ano, para cerca de 5,1%, mas que depois as baixe em cerca de 75 pb até o final de 2023.

Essa possibilidade, no entanto, diverge completamente dos últimos gráficos apresentados pelo próprio Fed, que mostram os juros ainda em torno de 5,1% ao final de 2023. Portanto, a “previsão” do mercado parece muito mais motivada por preocupações acerca da estabilidade financeira e do setor bancário e, nesse cenário, os spreads de crédito podem continuar a aumentar, e o apetite pelo risco, diminuir. Além disso, os títulos de alto rendimento (sem grau de investimento) provavelmente apresentarão desempenho inferior aos títulos com grau de investimento.

Ao mesmo tempo, os investimentos em títulos lastreados em hipotecas comerciais (CMBS, na sigla em inglês), que costumam ter forte exposição a títulos de renda fixa de longo prazo, são mais suscetíveis ao risco em meio à essa turbulência de mercado.

De acordo com análises que empregam os modelos de pré-pagamento CMBS e os modelos de crédito CMBS da agência Yield Book, em um ambiente com juros em alta e spread cada vez maior, a queda de preço de alguns títulos CMBS pode ser significativa.

Assim, qualquer investidor que possua um portfólio com títulos desse tipo poderá estar correndo risco de enormes perdas –embora a transferência para investimentos mais seguros venha a reduzir os rendimentos do Tesouro (e, portanto, o rendimento exigido do CMBS), levando a alguma recuperação do valor dos ativos.

Mercado de títulos AT1 (devidamente) testado após problemas do Credit Suisse

Os eventos recentes também acabaram por ressaltar os riscos do mercado de crédito para o sistema bancário.

A fusão forçada do Credit Suisse com seu rival doméstico UBS resultou na completa eliminação do valor dos títulos Adicional de Nível 1 (AT1). Isso ocorreu após uma perda histórica de 16 bilhões de francos suíços (US$ 17,2 bilhões) que foram “resgatados” dos detentores dos títulos; já os acionistas ordinários do Credit Suisse receberam “algum” pagamento por suas ações.

Ou seja, o que ocorreu representa uma completa inversão do processo normal de remediação para um banco em dificuldades, no qual quaisquer detentores de títulos receberiam sua parte antes dos acionistas.

Em resposta ao ocorrido no Credit Suisse, os preços dos títulos AT1 de outros bancos caíram. Os títulos AT1, também conhecidos como “conversíveis contingentes” ou títulos CoCo, normalmente fornecem um rendimento mais alto do que os títulos comuns e alguns até permitem que os detentores dos títulos os convertam em patrimônio, no caso de o índice de capital de um banco cair abaixo de um determinado limite. Já outros podem ser convertidos para zero caso esse limite seja ultrapassado.

Fonte: Yield Book

Apesar de as agências reguladoras terem procurado amenizar o nervosismo do mercado após a queda inicial dos preços, é provável que esse episódio continue assombrando o mercado de títulos AT1 mais amplo, já que agora os investidores estão bem conscientes de que o aumento da capacidade de absorção de perdas de um banco foi e é um dos principais impulsionadores da emissão de AT1.

Como resultado, os bancos podem ter mais dificuldade de levantar capital de dívida para absorção de perdas desse tipo a fim de atender aos requisitos regulatórios.

Riscos macroeconômicos e cíclicos para MBS crescem à medida que BCs combatem a inflaçãoRISK INTELLIGENCE

Desde o início da “minicrise” do setor bancário, em março, bancos centrais em todo o mundo têm procurado acalmar o sentimento do mercado e reforçar a confiança dos investidores.

Porém, tanto o Federal Reserve quanto o Banco da Inglaterra subiram os juros em mais 25 pontos-base em março para espantar a inflação, e já deixaram claro que estão preparados para enfrentar o risco de uma recessão para alcançar essa meta.

Uma desaceleração econômica, ou recessão, pode exacerbar a duração e o risco de convexidade negativa, pois os empréstimos CMBS não são refinanciados devido à redução da receita operacional líquida e acabam sendo estendidos.

Enquanto isso, os spreads de crédito provavelmente aumentarão e um período prolongado de aversão ao risco deverá pressionar as avaliações dos títulos CMBS.

Em consequência, bancos e credores restringirão os critérios e o volume de empréstimos, o que prejudicaria o volume de originação de empréstimos e os fluxos de negócios para CMBS.

Da mesma forma, no mercado de RMBS, se o Fed apertar ainda mais a sua política monetária ou mantiver os juros “muito altos por muito tempo”, o mercado imobiliário provavelmente ficará sob pressão adicional, com o aumento das taxas de hipoteca e o colapso dos refinanciamentos.

Acesse o comentário do Yield Book sobre o que a falha do SVB significa para o mercado de CMBS

Por Paolo Angeles, Yield Book Product Management; Jake Katz, Yield Book Head de Non-Agency RMBS Research; Luke Lu, Yield Book Head of CMBS/CLO Research; e Robin Marshall, Director, Fixed Income and Multi-Asset Research, FTSE Russell .