Países que estão embarcando agora na onda de transição energética podem tirar algumas lições da experiência de nações como Alemanha, que testemunhou um salto nos preços da eletricidade ao tentar cumprir as metas de sustentabilidade.
- Após incontáveis adiamentos ao longo dos últimos anos, diversos governos e empresas agora anunciam planos com foco em 2030, uma data próxima o suficiente para que seja significativa, mas suficientemente distante a ponto de ainda não gerar prejuízos
- No entanto, uma grande economia, a Alemanha, já está atingindo a data limite para suas metas de sustentabilidade, 2022, e sua experiência é inspiradora.
- Outros países, que ainda estão no início de seus processos de transição energética para fontes mais renováveis, precisam aprender algumas lições com base na experiência alemã, e se planejar de acordo com essas informações.
Este artigo foi publicado originalmente na PFI, em 8 de abril de 2021.
O governo alemão iniciou formalmente seu programa de transição energética, o Energiewende, em 2010, e após o desastre nuclear de Fukushima, em 2011 no Japão, decidiu pela eliminação gradual da energia nuclear até o ano de 2022.
Sem dúvida, aumentar de forma significativa o uso de energia renovável enquanto se extinguia gradualmente a nuclear foi algo ambicioso demais. Tanto que a meta de corte progressivo da energia nuclear está em vias de ser alcançada, mas as usinas de carvão e gás tiveram de permanecer ligadas para manter o fornecimento de energia.
Ou seja, mesmo em um mundo binário, escolhas e concessões devem ser feitas.
Metas de sustentabilidade e transição energética
Em meio a esse cenário, foi interessante ler o relatório do Gabinete de Auditoria Federal (Federal Audit Office ou FAO) divulgado na semana passada sobre a transição energética, que recebeu o seguinte título: “Implementar a Transição Energética em Termos de Segurança de Abastecimento e Acessibilidade de Eletricidade”.
O relatório é, em grande parte, crítico ao Ministério Federal de Assuntos Econômicos e Energia (BMWi), que é responsável pelo processo de transição. Mas, sua conclusão final foi o mais surpreendente.
O documento defende que a BMWi precisa “determinar o que entende por fornecimento barato e eficiente de eletricidade ao público em geral. E deve estabelecer, com base em indicadores, em que nível a eletricidade é considerada barata, e esforçar-se para reformar fundamentalmente o sistema de componentes de preços de energia regulados pelo Estado. Caso contrário, há risco tanto de perda de competitividade para a Alemanha quanto de aceitação da transição energética. ”
É isso mesmo: a população terá de pagar.
Um preço alto
O relatório do Gabinete de Auditoria Federal detalhou como o público, de maneira geral, está pagando por isso e por que chegou à conclusão de que a aceitação da transição energética poderia até ser comprometida.
“Em nenhum outro Estado membro da União Europeia os preços da eletricidade para residências privadas são atualmente mais altos do que na Alemanha. Eles estão 43% acima da média da UE. Além disso, para clientes comerciais e industriais com um consumo de energia entre 20 e 20.000 MWh por ano, as nossas tarifas de eletricidade estão no topo”.
O documento prossegue: “Já o valor cobrado de grandes consumidores –aqueles que ficam acima de 150.000 MWh por ano—, está abaixo da média da UE. E as altas tarifas decorrem dos componentes dos preços regulados pelo Estado, particularmente a Sobretaxa de Energia Renovável. ”
É importante lembrar que a Alemanha foi uma das pioneiras no que diz respeito à transição energética, então, como tal, se deparou com vários problemas iniciais que outros países ainda podem vir a enfrentar.
Além disso, os custos da energia renovável caíram drasticamente na última década, o que significa que os subsídios para desenvolvimento dessas matrizes não serão tão altos no futuro. Para se ter uma ideia, em um mercado como o Reino Unido, os subsídios para a energia renovável chegaram a £10 bilhões em 2020 e 2021, e, juntamente com outras taxas governamentais, respondem por 30% da conta de eletricidade.
Energia renovável para todos
Por um lado, as chances de sucesso da transição energética parecem boas (os custos da geração de energia renovável estão caindo rapidamente), mas, por outro lado, são bastante desafiadoras, já que mecanismos de equilíbrio de mercado, soluções de armazenamento e investimentos robustos em transmissão são necessários em todo o mundo para que esse novo tipo de energia possa ser entregue ao consumidor.
E não se pode esquecer das chamadas áreas de transição, como a de transporte –um setor que até mesmo a Alemanha, geralmente na vanguarda nesses assuntos, ainda precisa colocar como uma das principais metas para 2030. Muito trabalho vem sendo realizado no segmento de veículos elétricos (VE), mas os desafios, que também envolvem custos, são imensos.
A demanda por ativos renováveis está aumentando à medida que o apoio público à transição energética continua crescendo. Contudo, mesmo quem atua nessa área percebe os riscos de achar que os consumidores já estão garantidos.
O sucesso absoluto, em termos monetários, do recente leilão de concessões de parques eólicos offshore na Inglaterra e no País de Gales causou alarme. Os valores a serem pagos chegarão a £880 milhões por ano antes mesmo do início das obras.
Quem paga a conta?
Como explica Duncan Clark, chefe da Orsted no Reino Unido, à Reuters, alguém terá que pagar, e provavelmente será o consumidor (pelo menos em parte). A Orsted, claro, não pagou as taxas e não obteve a concessão. Mas Mark Lewis, estrategista-chefe de sustentabilidade do BNP Paribas, afirma que a taxa de opção acrescentaria cerca de 35% aos custos de desenvolvimento do projeto, pensando nos custos de construção de hoje.
A rodada de leilões da Escócia, que ocorrerá em breve, será menos ambiciosa, mas ainda assim deverá arrecadar 880 milhões de libras.
Quem estiver pensando em definir metas ambiciosas de sustentabilidade, e como gerenciá-las no mundo real, deveria ler o relatório do Gabinete de Auditoria Federal alemão. “O objetivo da lei [the Energy Industry Act] é garantir um fornecimento de eletricidade e gás –cada vez mais baseados em energias renováveis— que seja mais seguro, barato, eficiente, bom para o consumidor e ecologicamente correto.”
Infraestrutura 360
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