Em face à série de mudanças econômicas trazidas pela pandemia, analisamos o impacto que ela exerceu sobre o mercado de títulos corporativos e de investimentos ESG, o que parece ter sido decisivo para que os interesses dos acionistas deixassem de ser encarados como prioridade absoluta.
- Desde o início da pandemia de Covid-19, as companhias globais emitiram um número recorde de títulos corporativos.
- As preocupações ambientais levantadas pela COP26 provavelmente terão efeitos duradouros sobre como as empresas conduzem suas atividades comerciais.
- Os resultados financeiros dos acionistas não serão mais o principal foco da governança corporativa no futuro próximo.
Os impactos da pandemia de coronavírus, tanto temporários quanto permanentes, já estão tendo ramificações nos mercados financeiros, empresas e entre os consumidores –além de todos os outros stakeholders. E, o mais importante: quais as consequências que estão se mostrando mais duradouras do que se acreditava anteriormente?
Fazer essa análise de todas as partes interessadas seria algo muito amplo. Portanto, neste post, resolvemos nos concentrar apenas no que a Covid-19 trouxe para o mundo dos negócios. Afinal, são as empresas que, certamente, verão algumas das maiores transformações na forma de fazer negócios à medida que emergem da maior crise sanitária em mais de um século.
Para discutir esse assunto a fundo, realizamos recentemente um webinar intitulado “Covid Legacies in a Post-pandemic World”, com quatro especialistas internacionais em finanças –do London Stock Exchange Group (LSEG), BNP Paribas e da Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD).
Confira abaixo as principais conclusões:
1. Emissão de títulos corporativos em níveis recordes
Empresas de todos os tipos e tamanhos aproveitaram-se de generosos pacotes de estímulo lançados pelos governos e emitiram um número sem precedentes de títulos corporativos, muitos dos quais foram parar nos balanços dos bancos centrais.
No gráfico abaixo, podemos observar que a emissão global de títulos corporativos subiu 84% em relação ao patamar anterior à pandemia.
Com a maioria dos países começando a encerrar seus programas de compra de ativos, a demanda por esses títulos precisaria ser atendida por investidores institucionais e de varejo. Caso contrário, deveremos ver uma queda considerável na emissão de títulos corporativos.
E isso pode afetar negativamente as organizações que já estão com balanços patrimoniais fracos e as chamadas “empresas zumbis”, levando a um aumento das insolvências.
O problema, no entanto, pode ser compensado pelo financiamento dos mercados de ações (públicos e privados), à medida que os investidores procuram diversificar suas carteiras e buscar retornos em um mundo que se aproxima rapidamente de rendimentos reais negativos.
2. O “E” do ESG ganhou ainda mais destaque
Mesmo antes da Covid-19, o ESG já vinha ganhando protagonismo na maneira de as empresas conduzirem seus negócios. Mas a cúpula sobre questões climáticas organizada há pouco pelas Nações Unidas, a COP26, serviu para escancarar ainda mais a sua importância –e urgência. A maioria das corporações do Reino Unido, por exemplo, começaram a delinear como planejam migrar para um esquema de baixo carbono até 2023.
Além disso, US$ 130 trilhões administrados por bancos, seguradoras e fundos de pensão ao redor do globo estão comprometidos com metas de emissões líquidas zero até 2050. Assim, as companhias que conseguirem cumprir com seus compromissos na esfera ESG serão inevitavelmente mais atraentes para os investidores e deverão ter melhor desempenho no longo prazo.
Em meio a esse cenário, podemos esperar que as empresas tenham um papel fundamental para garantir um limite nas emissões, chegando, eventualmente, à neutralidade de carbono.
O gráfico abaixo ilustra o quanto as emissões precisam cair em determinados países a fim de limitar o aquecimento global a 2 ºC até 2030.
3. Resultados financeiros do acionista deixam de ser prioridade
E o que isso significa para as mudanças na área de governança corporativa que testemunhamos desde o início da pandemia? Bem, é provável que elas sejam agora o “novo normal”.
Por exemplo, os resultados financeiros do acionista não podem mais ser o foco principal se, para isso, a organização tiver de desconsiderar toda a gama de fatores que permitem às empresas criar valor sustentável ao longo do tempo.
As firmas que contaram com o apoio dos governos também pensarão duas vezes antes de reinstalar as suas políticas anteriores de dividendos. E os funcionários, muitos dos quais têm hoje mais poder de barganha, acabarão provavelmente trabalhando para quem valoriza sua saúde e bem-estar (desde, claro, que o mercado de trabalho permaneça aquecido)
Tenho certeza de que, ao longo dos próximos anos, haverá muitos debates sobre os méritos dos efeitos da Covid-19 para o mundo dos negócios. Mas uma coisa é certa: as empresas não podem voltar ao padrão pré-pandemia se quiserem sobreviver de maneira sustentável em um ambiente completamente (e para sempre) transformado.