Lisa Zelljadt, analista sênior da Refinitiv, explica por que os preços do carbono bateram recordes em 2022 e como esse mercado cresceu em todo o mundo apesar da queda no número de transações.
- Em 2022, houve um salto significativo no custo da emissão de gases de efeito estufa nos sistemas de comércio de emissões (ETS, na sigla em inglês) globais. As licenças da União Europeia, por exemplo, subiram, em média, mais de € 80/t, um aumento de 50% em relação a 2021. E, apesar do número de transações ter caído cerca de 20% na comparação ano a ano, o total arrecadado com essas operações foi de € 865 bilhões, alta de 14% sobre 2021 e, pelo sexto ano consecutivo, um novo recorde.
- Os altos preços devem-se, em grande parte, à guerra na Ucrânia. Isso porque o conflito tem afetado diretamente o mercado europeu de energia, que abriga o Sistema de Comércio de Emissões da União Europeia (EU ETS), responsável pela maioria das transações do mercado global de CO2.
- Metas climáticas mais ambiciosas também estão contribuindo para a elevação dos preços, à medida que países e regiões diminuem seus limites de emissão em busca de cumprir com esses objetivos.
Diferentemente dos anos anteriores, ao longo de 2022 vimos uma queda na quantidade de transações envolvendo permissões ou licenças de emissão de carbono. Isso se deve, principalmente, à guerra na Ucrânia, que vem causando turbulências nos mercados de energia e commodities ao redor do globo.
Mas, embora o número de negócios tenha sido menor, como os preços das licenças tocaram as máximas históricas, o faturamento total do mercado global de carbono –ou seja, a quantidade de transações vezes seu preço– acabou subindo cerca de 14% em comparação a 2021.
A alta no preço das emissões é resultado, em grande parte, da adoção de metas climáticas mais ambiciosas pelas agências reguladoras internacionais, além de um aperto nos limites de CO2 nos sistemas de comércio de emissões (ETS), medidas que visam ajudar os países a alcançar as reduções de CO2 prometidas no Acordo de Paris.
Preços mais altos no mundo todo
Na Europa, esse “aperto” veio com o programa “Fit for 55”, após os legisladores terem discutido por vários meses sobre mudanças no EU ETS que ajudariam o bloco a cumprir, até 2030, sua meta (atualizada) de redução das emissões de gases de efeito estufa para 55% abaixo dos níveis de 1990.
Em dezembro passado, eles finalmente lançaram um grande pacote que inclui, entre outras medidas, o corte do número de licenças disponíveis para os emissores daqui para frente, indicando que as licenças de carbono serão mais escassas –o que resulta em alta de preços.
Já os ETS da América do Norte (o WCI e o RGGI) passaram por mudanças semelhantes, com os reguladores da California adotando um plano para atingir as ambiciosas metas climáticas do estado. Agora, os emissores esperam que a Western Climate Initiative (o mercado de carbono do qual a Califórnia faz parte, junto com a província canadense de Quebec) imponha um limite maior às licenças de emissão para atender a essas ousadas metas climáticas, o que, por sua vez, também fez com que o seu preço subisse.
Enquanto isso, na Nova Zelândia –que conta com um pequeno mas antigo mercado de carbono envolvendo todos os setores da economia, exceto a agricultura—, um órgão consultivo do governo recomendou o endurecimento do ETS. Lá, também, os preços do carbono atingiram e permaneceram em níveis recordes na expectativa de uma futura escassez de licenças.
Como a guerra na Ucrânia afetou os preços?
A guerra na Ucrânia também influenciou os preços de todo o complexo energético, principalmente dos combustíveis fósseis, com a Europa sentindo o impacto de forma aguda.
Os preços do gás subiram de forma acentuada depois que a União Europeia parou de comprar o combustível da Rússia, tornando relativamente mais barato acionar usinas de queima de carvão para a geração de eletricidade. Isso levou a maiores emissões de CO2 por unidade de energia gerada, aumentando a demanda por licenças de emissão e encarecendo seu preço.
Com o prolongamento da guerra e a certeza de que os limites de emissão de CO2 da Europa serão cada vez mais rígidos, os preços das permissões permaneceram altos ao longo de 2022 (em média, acima de € 80/t em comparação aos € 54/t de 2021) e assim devem se manter, já que os fatores que impulsionaram a subida ainda persistem.
Mas em relação à retomada do número de transações em 2023, as perspectivas não se mostram tão favoráveis. Após quase todos os mercados terem amargado uma queda acentuada no volume de operações em 2022, a tendência é que não haja recuperação à vista, já que a turbulência econômica induzida pela guerra assustou os participantes do mercado que normalmente seriam traders bem mais ativos.
Nem o mercado voluntário de carbono (VCM) foi poupado, com esforços de sustentabilidade ficando em segundo plano em relação a preocupações geopolíticas mais amplas na maioria das corporações. Isso se refletiu em uma queda acentuada no volume e nos preços dos VCMs desde o início da guerra, no primeiro trimestre de 2022. E, ao contrário dos chamados compliance markets, que se recuperaram ligeiramente ao longo do ano, os mercados voluntários mantiveram-se retraídos.