A corrupção é um flagelo que contribui para a instabilidade financeira e a pobreza. Como a implementação de medidas anticorrupção podem ser intensificadas para ajudar na recuperação econômica e restabelecer a confiança?
- Em 2018, o prejuízo gerado pela corrupção foi de aproximadamente US$ 3,6 trilhões. E esses números nem levam em conta os custos do sofrimento humano, que excedem (em muito) o valor perdido com subornos, desfalques ou fraudes.
- A corrupção assume diferentes formas e afeta diversos setores da economia, da saúde ao esporte.
- Durante 2020, os acordos obtidos sob a Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA, na sigla em inglês) ultrapassaram os do ano de 2019 e chegaram a níveis recordes, com resoluções no valor de US$ 2,94 bilhões.
Os antigos egípcios diziam feqa, os mesopotâmicos, tatu, a Bíblia menciona a shohadh, os gregos a chamavam de doron e, em latim, é munus. Atualmente, os franceses se referem ao Pot de Vin. Todos esses termos e frases, no entanto, são referências a uma das palavras mais antigas do mundo: corrupção.
A corrupção é um flagelo global, que impõe custos em termos de sofrimento humano muito maiores do que as somas perdidas em subornos, peculatos ou fraudes.
Para ficarmos com os exemplos mais óbvios, pense nos medicamentos falsificados que, na melhor das hipóteses, não fazem bem, e na pior, podem matar. Ou então, em pontes construídas com materiais de má qualidade, que na melhor hipótese duram menos e custam mais para manter, e na pior, podem desabar, ferindo e matando pessoas.
A corrupção eleva o custo dos negócios, mina a confiança pública e impede o crescimento de um país. Seja qual for sua forma, ela sempre ocorre às custas de alguém.
Custos exorbitantes
Segundo o Fórum Econômico Mundial, no ano de 2018 o custo global da corrupção –na forma de subornos e dinheiro roubado—, foi de US$ 3,6 trilhões, ou seja, cerca de 5% do PIB global.
Já em 2019, corrupção, subornos, roubos e evasão fiscal, entre outros fluxos financeiros ilícitos, custaram aos países em desenvolvimento US$ 1,26 trilhão. Esse seria aproximadamante o valor da combinação das economias da Suíça, África do Sul e Bélgica. E é dinheiro suficiente para tirar da pobreza, por seis anos, 1,4 bilhão de pessoas que sobrevivem com menos de US$ 1,25 por dia.
Covid-19 traz riscos de corrupção ainda maiores
Mesmo antes da pandemia, cerca de US$ 455 bilhões dos US$ 7,35 trilhões gastos anualmente em saúde em todo o mundo foram desviados em fraudes e corrupção.
E hoje em dia, enquanto os governos elevam seus gastos à níveis sem precedentes em resposta à pandemia, realizando compras de medicamentos e equipamentos de saúde com urgência e desespero compreensíveis, o risco de corrupção e apropriação indébita aumenta exponencialmente.
A corrupção pode assumir diferentes formas e atingir diferentes setores da economia.
Em 6 de abril, após anos de investigações e acusações, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (U.S. DoJ) disse que representantes que trabalhavam para a Rússia e o Catar haviam subornado funcionários de órgãos governamentais para garantir o direito de sediar a Copa do Mundo.
Isso marcou o fim de 25 anos de extorsão, fraude e lavagem de dinheiro, com suspeitas de corrupção principalmente relacionadas às condições de concessão de várias Copas do Mundo, além de contratos de marketing.
A longa investigação revelou US$ 150 milhões em subornos pagos desde 1991 aos incriminados, em troca de direitos de mídia e marketing durante competições organizadas nos Estados Unidos e na América do Sul.
Vários bancos participaram do caso de corrupção da FIFA, e foram multados em mais de US$ 100 milhões pelo DoJ dos EUA.
Além disso, um painel parlamentar na Suíça iniciou um processo de impeachment contra um promotor que ativistas anticorrupção acusam de interferir em um julgamento de fraude sobre supostos pagamentos vinculados à Copa do Mundo de 2006.
Avanços no continente europeu
Atualmente, a União Europeia (UE) não tem uma abordagem unificada para uma lei anticorrupção em todo o território.
De acordo com a Transparency International, nove dos estados membros estão entre os vinte países considerados os menos corruptos do mundo, e a classificação média da UE é globalmente boa.
A recente lei anticorrupção da França, chamada Sapin II, está em vigor há três anos, e o cenário de compliance no país vem evoluindo de forma significativa. Em janeiro de 2020, o governo francês lançou um Plano Anticorrupção para 2020-22, com o objetivo de promover a transparência e integridade corporativa. O plano visa detectar a corrupção transnacional de forma mais eficiente, e vem sendo impulsionado pela organização da Copa do Mundo de Rúgbi, em 2023, e dos Jogos Olimpícos e Paraolímpicos, em 2024, todos realizados na França.
Nesse contexto, o Ministério da Justiça francês emitiu sua primeira circular de política criminal dedicada exclusivamente à luta contra o suborno estrangeiro.
Duas áreas que precisam ser monitoradas com cuidado especial:
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A análise e monitoramento de terceiros de uma empresa devem ser tratados como prioridade absoluta.
A lei francesa não prevê mecanismos de responsabilidade indireta semelhantes aos da Lei de Práticas de Corrupção no Exterior (FCPA) ou da Lei de Suborno do Reino Unido. Consequentemente, os executivos franceses podem ficar tentados a confiar na ideia de que não estar cientes da natureza exata das negociações de seus parceiros de negócios pode protegê-los de responsabilidade legal.
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A concepção e implementação adequadas de controles contábeis anticorrupção.
Uma disposição específica do artigo 17 do Sapin II torna obrigatória a implementação desses controles. A circular recomenda que, nos muitos casos em que não é possível provar o suborno, os promotores devem considerar a possibilidade de recorrer a outras infrações, como incongruência nas contas anuais da organização.
Outros Estados membros, como Bulgária, Croácia, República Tcheca, Estônia, Grécia, Itália, Lituânia, Romênia e Eslováquia, têm implementado estratégias nacionais anticorrupção abrangentes há vários anos. Embora o desenvolvimento de planos e estratégias anticorrupção seja importante, implementação e monitoramento eficazes são essenciais para garantir um progresso real.
Cooperação: uma estratégia vencedora
Em 2019, pelo menos três empresas responderam ao chamado do UK Serious Fraud Office (SFO) para cooperar e firmaram Acordos de Ação Penal Diferidos (DPAs, na sigla em inglês).
Um dos mais notáveis foi o DPA da Airbus. Ele é considerado algo inédito, já que tribunais do Reino Unido, França e EUA aprovaram simultaneamente acordos equivalentes entre a Airbus e, respectivamente, a SFO, o Gabinete do Procurador Financeiro Nacional Francês (PNF), o DoJ e o Departamento de Estado dos EUA, no valor de € 3,6 bilhões.
Como parte de seu Manual Operacional, o SFO lançou sua “Orientação de Cooperação Corporativa” em agosto de 2019 e, em janeiro de 2020, um capítulo atualizado sobre “Avaliação de um Programa de Compliance”.
FCPA se mantém na vanguarda
O ano de 2020 tornou-se oficialmente o maior de todos para acordos da FCPA, com resoluções que já chegam a US$ 2,94 bilhões e ultrapassam 2019.
Ninguém pode se esconder da FCPA. Em 2020, vimos:
• Bancos: Foi cobrada uma multa de US$1 bilhão de um banco em conexão com seu envolvimento no escândalo de corrupção do Malaysia Development Berhad (1MDB).
• Empresas: Uma corporação foi obrigada a pagar US$ 123 milhões devido a supostas violações dos livros e registros e disposições de controles internos da FCPA em suas operações na China.
• Executivos: Um ex-executivo de uma companhia de energia e transporte foi condenado a 15 meses de prisão por seu papel em um esquema de lavagem de dinheiro que, segundo os promotores, foi elaborado para promover violações da FCPA.
A luta continua
A ONU declara em seu site: “O combate à corrupção é uma preocupação global, pois o problema ocorre tanto em países ricos quanto em pobres, e as evidências mostram que ele prejudica esses últimos de maneira desproporcional”.
E acrescenta: “A corrupção contribui para a instabilidade e a pobreza, e em países frágeis é um fator determinante para o fracasso do Estado.”
A luta global contra a corrupção precisa ser intensificada para garantir a recuperação econômica, a obtenção de melhores serviços com o dinheiro dos contribuintes e o restabelecimento da confiança em todo o mundo.
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