Na esteira de mais um episódio da série de webinars sobre risco e compliance promovida pela Refinitiv, “Criptomoedas e o Contexto Brasileiro”, entrevistamos a research analyst do time brasileiro do World-Check, Laura Bullock, a respeito dos principais riscos oferecidos pelas criptomoedas no país e como evita-los.
- O caráter descentralizado e anônimo da maioria das criptomoedas infelizmente leva pessoas que não são comprometidas com a legalidade de suas transações financeiras a fazer uso delas para cometer os mais diversos crimes.
- No Brasil, no entanto, as criptomoedas mais comercializadas tendem a ser transacionadas em um blockchain, com um certo grau de transparência. No caso do Bitcoin, por exemplo, a mais conhecida das moedas digitais, já é possível monitorar o movimento dos fundos.
- Os principais crimes financeiros praticados no país com criptomoedas são esquemas de pirâmide financeira, fraudes e lavagens de dinheiro.
Em 2009, quando surgiu o Bitcoin, a primeira criptomoeda a ser comercializada no mundo, o intuito era basicamente estabelecer uma moeda que não dependesse de um intermediador, como bancos centrais e empresas, já que a crise global de 2008 havia levado à perda de confiança nos meios de pagamentos e nas instituições financeiras tradicionais. E a ideia deu tão certo que doze anos depois, em setembro de 2021, o valor dos cripto mercados internacionais já ultrapassava dois trilhões, representando um dos setores da economia que mais crescem em todo o mundo.
O problema é que, juntamente com as oportunidades de negócios, a expansão dos mercados de ativos criptográficos também trouxe uma série de novos riscos. Afinal, grupos criminosos não tardaram a perceber o potencial de uma moeda descentralizada e anônima para auxiliar em atividades financeiras ilícitas, como lavagem de dinheiro e fraudes.
Em meio a essa realidade, que pela própria natureza digital se desenvolve em um ritmo mais intenso do que as iniciativas tomadas na esfera física, os participantes do setor de cripto ativos perceberam que a única forma de assegurar um mercado justo e seguro para todos os stakeholders seria por meio de medidas regulatórias. “Mas é um grande desafio produzir uma legislação abrangente com tão pouco tempo de estudo e conhecimento em um meio que as coisas mudam constantemente” afirma Laura Bullock, research analyst do time brasileiro do World-Check, que participou do recente webinar que promovemos sobre o tema: “Criptomoedas e o Contexto Brasileiro” e que, na sequência, concedeu uma entrevista exclusiva para nosso blog. Leia a seguir:
Assista o webinar na íntegra
Por que a natureza das criptomoedas as torna mais propícias a serem usadas em crimes financeiros?
Porque as criptomoedas, moedas digitais que usam criptografia pra assegurar as transações, são descentralizadas, além de a regulamentação sobre elas ainda ser muito recente –e em alguns locais, inexistente.
Quando a criptomoeda surgiu, a ideia era apenas que a transação fosse feita sem um incumbente no meio, sem uma empresa ou organização governamental envolvida, tanto que a confirmação para que se possa fazer uma transação em criptomoeda vem dos seus pares. Mas, infelizmente, muita gente e muitas células criminosas se apropriaram disso para poder perpetrar seus crimes.
O que significa as moedas digitais serem descentralizadas? E no que isso implica?
A descentralização das moedas digitais consiste no fato de elas não terem uma autoridade central que as controla. Ou seja, uma transação entre moedas digitais não passa por nenhuma instituição financeira tradicional. Por exemplo, ao fazer uma compra com um cartão de crédito, você não está utilizando o dinheiro físico, mas sim um meio de pagamento alternativo a ele, que ainda assim passa pelo crivo de uma instituição financeira tradicional, sujeita a regulamentações, e aí sim essa transação será efetuada. Já as transações em criptomoedas são enviadas e efetivadas entre pares, o que significa que não tem ninguém acima pra regular, aceitar ou não aquela operação, enfim, não tem uma autoridade centralizadora.
De que forma as criptomoedas vêm sendo utilizadas hoje em dia para cometer crimes financeiros? E quais são as mais usadas nesse sentido?
Esse caráter descentralizado da criptomoeda infelizmente leva pessoas que não são comprometidas com a legalidade de suas transações financeiras a fazer uso delas para cometer os mais diversos crimes, como receber ou pagar por serviços ou produtos considerados ilícitos ou até mesmo lavar somas provenientes de ações criminosas. O caráter anônimo delas também é outro fator que contribui para isso. Como os endereços são uma combinação alfanumérica sem nenhum indicativo de identidade, é mais fácil se esconder por trás disso e efetuar transações quase que de maneira anônima. Ou seja, é mais difícil ser pego ao cometer um crime.
Em relação a quais seriam as criptomoedas favoritas dos criminosos, existe uma certa complexidade por trás disso. As criptomoedas mais comercializadas no Brasil tendem a ser transacionadas em um blockchain, com certo grau de transparência. Com o Bitcoin, por exemplo, já é possível monitorar o movimento dos fundos. Portanto, o que os criminosos costumam fazer para contornar esse “problema” é usar inicialmente criptomoedas menos transparentes e depois convertê-las para as criptomoedas mais aceitas, pois assim é mais fácil transformá-la em moeda fiduciária. No crime de lavagem de dinheiro, por exemplo, bastante comum no Brasil, o processo de ocultação em criptomoedas implica, muitas vezes, em transferir o valor, sucessivamente, entre várias criptomoedas (todas elas com baixíssimo grau de transparência), até que a quantia seja finalmente convertida em alguma criptomoeda mais aceita no mercado, como o Bitcoin. Essa é uma forma de dificultar o processo de rastreamento da origem do dinheiro.
Quais os tipos de crimes financeiros mais comuns no Brasil?
No Brasil, os mais comuns são pirâmides financeiras, fraudes e lavagem de capital. Mas o esquema de pirâmide financeira envolvendo cripto ativos é o tipo de crime financeiro que mais cresceu ultimamente. Inclusive, vemos quase diariamente na mídia casos –alguns até envolvendo celebridades— de pessoas que investem dinheiro e nunca conseguem um retorno. O que acontece é que o dinheiro investido muitas vezes nem chega a ser convertido em criptomoeda, mas vai diretamente para os indivíduos que entraram primeiro no esquema, o que ajuda a manter a farsa de que se pode ganhar muito dinheiro ao fazer parte dessas pirâmides. E esse é um tipo de delito que é um pouco mais complicado para as autoridades brasileiras investigarem e chegarem a algum resultado, tanto que os processos que mais encontramos em nossas pesquisas são de pessoas físicas contra pessoas físicas. E nesse caso, infelizmente, não podemos incluir na base do World-Check.
Por que todas as moedas digitais não passam a ser reguladas para diminuir a chance de uso indevido?
As criptomoedas são uma tecnologia relativamente nova e ainda em evolução, e é preciso lembrar que o meio digital tem um tempo diferente do meio físico. Na esfera digital as coisas acontecem com muito mais rapidez do que as nossas instituições conseguem acompanhar. Além disso, é um desafio conseguir produzir uma legislação justa e abrangente com tão pouco tempo de estudo e conhecimento em um meio que as coisas mudam constantemente. Mas as coisas estão, sim, caminhando nesse sentido. A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, por exemplo, aprovou em fevereiro deste ano um projeto que reconhece e regula o mercado de criptomoedas.
Como o World-Check ajuda a coibir os crimes financeiros praticados com criptomoedas? É possível checar se o endereço relacionado a determinada criptomoeda está vinculado a alguma entidade ou indivíduo que consta da base de dados do World-Check?
É importante ressaltar que seguir processos adequados de onboarding (que inclui toda a etapa de Know Your Client, ou KYC) e ter um programa de monitoramento constante é muito importante para que sua empresa se mantenha atualizada sobre os perfis de clientes que oferecem e/ou podem oferecer risco. E no World-Check, apesar do desafio que anonimidade dos endereços proporciona, sempre que existe informação disponível, nós as disponibilizamos. E também cobrimos qualquer criptmoeda que podemos encontrar.