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A redução de estoques de soja do Brasil será oportunidade para os EUA?

Karen Braun
Karen Braun
Global Agriculture Columnist, Thomson Reuters

As recentes exportações de soja do Brasil têm sido astronomicamente altas, mas assumindo que haja uma oferta finita da oleaginosa no principal exportador global, isso deve dar aos Estados Unidos uma chance de ampliar notadamente os embarques nos próximos meses –algo que o país precisa desesperadamente.

Embora isso pareça lógico, há alguns percalços no plano, como as tensões comerciais entre EUA e China e os estoques aparentemente intermináveis do Brasil.

De acordo com dados recentes do governo, o Brasil embarcou 15,5 milhões de toneladas de soja em maio, alta de 25% em relação à máxima anterior para o mês. Esse recorde prévio, de 12,35 milhões de toneladas, registrado em maio de 2018, era o maior volume embarcado em qualquer mês até abril de 2020, quando as exportações dispararam para 16,3 milhões de toneladas.

Desde fevereiro, quando a nova safra passou a estar disponível para exportação, o Brasil embarcou 47,8 milhões de toneladas de soja, alta de 44% na comparação anual. Isso equivale a 1,76 bilhão de bushels, o que é mais do que os EUA devem embarcar em todo o ano comercial de 2019/20.

Nos últimos quatro meses, o Brasil exportou cerca de 40% do que produziu neste ano, ante cerca de 28% no mesmo período dos últimos dois anos. O país geralmente exporta dois terços de sua soja, esmaga o outro terço e carrega um estoque pequeno para o ano seguinte.

Com a carga tão forte de exportações em seu período de embarques, o Brasil –em teoria– deveria zerar os estoques até o momento em que a safra norte-americana estivesse pronta para ir ao mercado, mas o país conseguiu manter um ritmo robusto de exportações por quase dois anos.

Neste momento, a soja dos EUA está mais barata que a brasileira, o que deve ajudar os exportadores norte-americanos a ampliar as vendas –pelo menos para países que não sejam a China.

Desde que o conflito comercial sino-americano teve início, Pequim constantemente optou pela soja brasileira mesmo quando os preços eram melhores nos EUA. A fase 1 do acordo comercial entre EUA e China supostamente eliminaria essa preferência, e é por isso que os relatos de que a China comprou mais soja do Brasil –a um preço mais elevado– na semana passada geraram angústia no mercado norte-americano.

As tensões comerciais entre EUA e China continuam fervendo, agora aliadas às questões de Hong Kong e à pandemia de coronavírus, embora ambos os lados aparentem se manter comprometidos com a fase 1 do acordo comercial, que deveria resultar num aumento substancial das exportações agrícolas dos EUA para a China.

Mas, caso isso não aconteça, a China ainda poderá recorrer ao Brasil no que diz respeito à soja.

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Brasil, China, EUA

Quando a guerra comercial sino-americana começou, em meados de 2018, supunha-se que o Brasil ficaria sem soja até o final daquele ano e que a China seria forçada a procurar pelo produto nos EUA. A matemática dizia que isso era inevitável.

Mas operadores foram surpreendidos quando as exportações de soja dos EUA para a China entre setembro e dezembro de 2018 afundaram 98% na comparação anual, evidenciando que o país asiático conseguira fazer o que se assumia ser impossível.

O problema da China com a peste suína africana teve início em agosto de 2018, reduzindo significativamente a demanda por soja à medida que milhões de porcos eram abatidos –em retrospectiva, esse foi um dos fatores que manteve a oleaginosa dos EUA distante da China.

Mas o envolvimento do Brasil foi o principal evento, uma vez que as exportações do país para os chineses nos quatro últimos meses de 2018 dispararam 86% em relação às máximas do ano anterior, forçando o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA, na sigla em inglês) e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) a revisarem seus balanços.

Em 2018, muitos analistas alertaram que o estremecimento nas relações comerciais entre EUA e China poderia danificar de forma irreparável as exportações norte-americanas de soja, mesmo que um acordo ou trégua fosse atingido. As evidências disso já estão começando a dar as caras.

O volume de soja embarcada do Brasil para a China nos quatro últimos meses de 2019 indicou queda de 11% em relação ao ano anterior, mas foi igualmente impressionante, demonstrando que a fantástica temporada do Brasil em 2018 não foi um evento único e que o país pode continuar invadindo a temporada de embarques dos EUA nos próximos anos.

O aumento da safra de soja no Brasil é um culpado óbvio. Há cinco anos, uma colheita de 97 milhões de toneladas era facilmente a maior já registrada pelo país. Mas a norma agora são safras de 120 milhões de toneladas ou mais, embora a demanda global por soja tenha avançado em um grau muito menor nesse período.

A Conab passou os últimos meses reavaliando o balanço da soja 2018/19 do Brasil, e os resultados ainda devem ser publicados. Indícios apontam que mais ofertas podem ser “encontradas” no país, o que torna difícil avaliar quando –ou se– o estoque local chegará ao limite.

Neste ano, as ofertas exportáveis do Brasil ficaram acima do normal por causa da depreciação recorde do real frente ao dólar que desencadeou fortes vendas por produtores. Na terça-feira, o real teve seu melhor dia ante a divisa norte-americana em dois anos, e ampliava quedas nesta quarta-feira. Mesmo assim, ainda segue fortemente desvalorizado em relação aos níveis históricos pré-março de 2020.

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