A escala do esperado colapso econômico causado pelo coronavírus na América Latina poderia forçar uma virada nas regras financeiras da região nos próximos anos, com grandes obstáculos à reimposição de dolorosos cortes de gastos e austeridade.
Os governos estão gastando quantias sem precedentes na luta para minimizar os danos econômicos e sociais da pandemia, enquanto em muitos casos insistem em que as finanças públicas vão se recuperar assim que a crise terminar.
“A questão principal é se o Covid-19 forçará economistas e governos em toda a América Latina –e em última análise investidores globais– a repensar regras sobre disciplina fiscal”, disse Thomaz Favaro, diretor da consultoria política Control Risks.
“Os países deveriam dobrar as despesas iniciais para aliviar a dor econômica e ajudar na recuperação? Ou as antigas regras fiscais ainda se aplicam? Os governos podem achar que é politicamente insustentável dobrar a austeridade”, disse ele.
Economistas do banco francês BNP Paribas criaram um “índice de preparação relativa ao COVID-19” para acompanhar a preparação de 24 países emergentes na resistência ao choque do Covid-19 em relação a seus pares.
O índice compreende quatro subíndices, cobrindo amplamente métricas sociais, de saúde, financeiras e econômicas. As cinco principais economias da América Latina se saíram relativamente mal, com apenas o Chile se posicionando na metade superior da lista e mesmo assim apenas no 15º lugar geral.
Com exceção da Argentina –que está em tensas negociações com credores para evitar um default de sua dívida internacional–, todas as pontuações em saúde ficaram muito baixas. Brasil e México também tiveram uma classificação ruim no ranking de índices sociais, enquanto Argentina, sem surpresa, teve uma pontuação ruim no seu espaço para manobra financeira.
Com base em medidas tradicionais, as baixas colocações mostram pouco espaço fiscal para lidar com a crise e, de fato, alguns formuladores de políticas alertam que investidores exigirão maior equilíbrio fiscal quando esse período encerrar.
O secretário do Tesouro brasileiro, Mansueto Almeida, disse nesta semana que seria um “erro” deixar medidas emergenciais se transformarem em gastos permanentes, o que, segundo ele, pode colocar as finanças públicas sob pressão maior a longo prazo.
“O preço de um alívio no curto prazo pode muito bem ser um ajuste fiscal mais rápido e profundo no futuro, ou dificuldades financeiras/de financiamento”, escreveram economistas do Goldman Sachs em nota.
No entanto, outros dizem que as métricas já fracas tornam insustentáveis os tipos de cortes vertiginosos nos benefícios sociais e nos serviços públicos, muitas vezes exigidos pelas regras financeiras “ortodoxas” do passado.
Alguns dos números que estão sendo usados são sem precedentes. O Goldman espera que a economia da região encolha 3,8% neste ano, o maior declínio desde a Segunda Guerra Mundial. Os economistas do Morgan Stanley acham que será ainda pior, e estimam uma queda de 4,6% no Produto Interno Bruto (PIB).
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O Bank of America espera que a economia do México, também afetada pelo colapso dos preços do petróleo, contraia 8% neste ano, enquanto o Goldman vê os déficits orçamentários primários do Brasil e do Peru expandindo-se para até 9% do PIB.
“Não há saída fácil para o enigma do Brasil no momento”, de acordo com o Morgan Stanley, projetando um déficit fiscal de mais de 10% do PIB e a dívida pública se aproximando de 90% do PIB neste ano, enquanto a economia encolhe 3,7%.
Da mesma forma, eles observam o desafio do governo mexicano de garantir aos mercados que qualquer desvio fiscal seja temporário, enquanto se compromete com a prudência fiscal de médio e longo prazo. “Consideramos essa tarefa assustadora.”
Milhões de pessoas irão perder seus empregos e as fileiras de trabalhadores informais, que já representam até 40% dos empregos em alguns países, crescerão rapidamente.
México e Colômbia, cujas receitas e impostos serão dizimados pela queda nos preços do petróleo, já tiveram seus ratings de crédito soberano rebaixados.
Grande parte da crescente pressão do mercado sobre as economias emergentes está sendo carregada pelas taxas de câmbio. Embora a forte depreciação deste ano as tenha tornado muito baratas, muitos analistas acham que ainda podem ficar mais depreciadas.
O real brasileiro e os pesos mexicano e colombiano figuram entre as maiores quedas globais em relação ao dólar neste ano, todos perdendo cerca de 20% de seu valor desde 1º de janeiro. A queda nos dois pesos tem sido particularmente forte desde o colapso do petróleo, um mês atrás.
Fundamentalmente, essas taxas de câmbio, historicamente fracas, não estão alimentando pressões inflacionárias porque a atividade econômica, a demanda e os preços do petróleo e das commodities estão caindo acentuadamente. Os bancos centrais, muitas vezes repreendentes fiscais no passado, podem manter políticas monetárias extraordinariamente frouxas.
O Bank of America calcula que “um novo regime de política predominante” surgirá no médio prazo. “A maioria dos países está migrando de um regime de apertada política fiscal e frouxa monetária rígida para um regime de frouxa política fiscal e ainda mais frouxa política monetária”, disse o banco.