Quando o agricultor Ricardo Santinoni plantou soja pela primeira vez no estado de Goiás, ele só tinha condições de cultivar cerca de 70 hectares. Duas décadas depois, ele tem 1.000. E ele fez isso sem derrubar uma única árvore.
A terra que Santinoni recebeu de seu pai era um pasto degradado para a criação de gado, que já fez parte da vasta savana tropical do Cerrado, desmatada há décadas e depois abandonada quando se tornou improdutiva.
No entanto, ao longo dos anos, Santinoni e sua parceira Fernanda Ferreira, uma agrônoma, gradualmente a trouxeram de volta a uma condição fértil, fazendo a rotação de outras culturas, como milho ou feijão, e pastoreando o gado para enriquecer o solo com esterco.
“Eu me vejo como uma pequena parte de um todo gigante”, disse Santinoni à Thomson Reuters Foundation em seu escritório na fazenda Morro do Peão, apontando para uma placa vermelha pendurada na parede que resume sua missão: “Alimentar a vida de uma forma sustentável”.
A cultura da soja, intimamente ligada ao desmatamento, raramente tem sido sinônimo de sustentabilidade, mas Santinoni disse que cada vez mais agricultores estão trabalhando para regenerar terras esgotadas em vez de expandir a fronteira agrícola.
Esses esforços refletem a crescente preocupação global com o desmatamento realizado para abrir caminho para a plantação no Brasil, o maior produtor mundial de soja, usada para alimentar o gado da Europa e produzir óleo de cozinha para os grandes mercados asiáticos, como Índia e China.
Em 2006, os comerciantes de soja concordaram voluntariamente em parar de comprar soja de áreas desmatadas na Amazônia após uma determinada data. Desde então, o cultivo de soja se expandiu rapidamente em outras áreas, incluindo o Cerrado, onde os defensores do meio ambiente esperam um pacto semelhante.
Goiás é o terceiro maior estado produtor de soja do Brasil. Cidades como Pires do Rio, onde está localizado o Morro do Peão, são cercadas por terras agrícolas onde soja, milho e outras culturas são cultivadas durante todo o ano em planícies que se estendem em direção a colinas baixas no horizonte.
Durante os meses de seca, de maio a setembro, a paisagem rural fica amarela e marrom depois que a principal safra de soja é colhida, com os caules murchos espalhados pelos solos ressecados.
Mas no Morro do Peão, em agosto, ainda há muito verde do feijão em alguns campos e do capim em outros, onde pastam os cerca de 1.000 bovinos da fazenda.
Apontando para os campos verdejantes ao seu redor, Santinoni disse que não chovia no local há três meses.
“Estou contribuindo muito para a sustentabilidade do planeta, com as práticas que a gente faz hoje dentro da propriedade”, disse o homem de 49 anos, depois de encerrar uma reunião semanal com seus funcionários sobre reduzir o desperdício e manter a fazenda limpa.
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Alimentos VS Natureza
Nos últimos anos, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos como o maior produtor de soja do mundo, com seus agricultores prevendo uma safra recorde de 155 milhões de toneladas para 2023, de acordo com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
Cerca de 45 milhões de hectares, uma área aproximadamente do mesmo tamanho da Suécia, são usados para cultivar a semente oleaginosa.
Mas, além disso, o Brasil tem cerca de 100 milhões de hectares em pastagens degradadas, de acordo com uma estimativa do governo, terras que poderiam ser potencialmente trazidas de volta à produção de soja ou outras culturas alimentícias.
Embora a recuperação de terras seja feita há décadas no país, a prática ganhou força como uma alternativa ao desmatamento de mais terras para a agricultura, à medida que os governos de todo o mundo buscam combater o aquecimento global.
O desmatamento está agravando os impactos das mudanças climáticas, incluindo calor mais intenso, secas e inundações, que podem reduzir as colheitas e estimular novas pragas, representando uma ameaça crescente à segurança alimentar global.
Isso faz com que esforços como a recuperação de terras, que buscam equilibrar a proteção da natureza e a agricultura, sejam ainda mais urgentes, especialmente em áreas como o Cerrado – a savana mais biodiversa do mundo – onde o desmatamento tem aumentado.
Em julho, o governo anunciou planos para criar um fundo para recuperação. O objetivo é conseguir cerca de US$ 120 bilhões via investidores, o que permitiria a restauração de 40 milhões de hectares na próxima década, de acordo com uma reportagem de agosto do jornal Valor Econômico.
“Nós temos a tecnologia para tornar estas propriedades produtivas novamente”, disse Márcia Mascarenhas Grise, pesquisadora da Embrapa, empresa de pesquisa agrícola.
“Não precisamos abrir novas áreas (para agricultura).”
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Impedir o desmatamento
No Morro do Peão, a produtividade da soja tem aumentado constantemente, apesar das reduções no uso de fertilizantes químicos, o que ilustra a eficácia de sua abordagem, disse Ferreira.
Em 2004, eles colheram uma média de 49 sacas de soja de 60 kg por hectare. Atualmente, eles colhem 75 sacas por hectare e esperam chegar a 100 sacas até 2026.
A rotação de culturas é fundamental para sua técnica de manejo de terras, e a prática inclui o plantio de capim para pastagem do gado, economizando em ração e mantendo os animais mais saudáveis, disse Ferreira, enquanto caminhava pelos campos ao lado do gado.
Restaurar a terra e aumentar a produtividade é vital para evitar mais desmatamento, disse Priscila Souza, gerente de avaliação de políticas da Climate Policy Initiative (CPI), uma organização sem fins lucrativos que trabalha no Brasil junto com a PUC-Rio, a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
O desmatamento contínuo de árvores na Amazônia representa até mesmo uma ameaça à produção agrícola nacional, pois leva à diminuição das chuvas nas principais áreas de cultivo de soja no sul do país, segundo pesquisa do CPI/PUC-Rio.
“No ano agrícola de 2021 – 2022, a gente teve uma estiagem tão forte que as indenizações cresceram quase quatro vezes em relação à safra anterior”, disse Souza.
Mas, apesar da promessa de recuperação de terras como forma de proteger as florestas do país, ela disse que será necessária a assistência do governo, especialmente para os pequenos proprietários que tendem a ter menos capital e conhecimento técnico.
“Para o (agricultor) de menor porte, a recuperação é incerta e custosa”, disse ela.
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Mudança Cultural
Mesmo sem incentivos diretos do governo, muitas vezes faz sentido econômico para os agricultores restaurarem suas terras, e as empresas de investimento começaram a procurar oportunidades.
“Isso tem uma explicação muito simples: é muito mais barato para o agricultor converter uma área degradada do que abrir uma área nova (legalmente)”, disse Pedro Henrique de Alcântara, analista da Embrapa.
A Paramis Capital, uma empresa de serviços financeiros, está estruturando um fundo de 500 milhões de reais para comprar terras degradadas e restaurá-las.
A estruturação de fundos para a compra de terras não é incomum, mas geralmente as empresas apenas compram terras e depois as arrendam de volta aos agricultores, disse Silvio Valle, da Paramis.
Mas a Paramis tem como objetivo restaurar e gerenciar a própria terra por meio de uma parceria com a Fisalis, uma empresa de gerenciamento de recursos especializada em ativos agrícolas.
“Nossa tese é transformacionista: pegar uma terra que produz 20 sacas (de soja) por hectare e aumentar pra 60 sacas por hectare”, disse Ricardo Scaff, engenheiro agrônomo e sócio da Fisalis.
“É como comprar uma casa velha, reformar e vender. É melhor do que comprar e alugar”, acrescentou ele.