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Perspectivas para a indústria de minério de ferro e aço

Tamara Thorne
Tamara Thorne
Senior Metals Analyst, Refinitiv

A Covid-19 já provocou lockdowns na Ásia, Europa, Índia, Austrália e nos Estados Unidos –hoje o país com o maior número de casos no mundo. E, em meio à crise de saúde global, diversas indústrias, como a de produção e fabricação de aço, vêm sofrendo sérias interrupções. Para minimizar os impactos econômicos, governos têm introduzido pacotes de ajuda em uma escala sem precedentes. Mas, nos perguntamos: estímulos fiscais são um bom remédio? E ajudarão o mercado de aço?


  1. Devido à interrupção da produção em mineradoras ao redor do globo, em até dois meses deveremos ver problemas no suprimento de minério de ferro. Isso provavelmente ajudará a compensar a demanda reduzida e a limitar a queda dos preços, mas apenas no curto prazo.
  2. Espera-se que os pacotes de estímulo formulados por governos como os da China, Estados Unidos e Europa levem a uma recuperação razoável da demanda.
  3. Analistas econômicos acreditam que os estímulos econômicos sem precedentes anunciados em vários países possam vir acompanhados de efeitos negativos, como disparada dos déficits fiscais e da inflação.

Importações chinesas

De acordo com os dados sobre fluxos comerciais de minério de ferro da Refinitiv, o volume total importado pela China para ser entregue até o final de março cresceu 7% comparado ao ano anterior, totalizando 95 milhões de toneladas, com 68% do material já descarregado.

A Austrália foi responsável por 70% dos embarques, enquanto o Brasil, por 16% –ante 21% no ano passado. Embora o Brasil ainda seja o segundo maior produtor mundial da commodity, o desempenho mais fraco permitiu que as vendas da África do Sul e do Peru aumentassem 39% e 50% ano a ano, respectivamente, até o final de março.

Gráfico 1: Origem das importações de minério de ferro realizadas pela China

Fonte: Refinitiv Trade Flows

Reflexos na produção

É provável que em dois meses vejamos problemas no suprimento de minério de ferro. Isso porque, conforme a disseminação do novo coronavírus continua, mineradoras em todo o mundo acabarão reduzindo –ou mesmo interrompendo— suas operações.

Isso provavelmente ajudará a compensar a demanda reduzida e a limitar a queda dos preços, mas apenas no curto prazo. Os confinamentos impostos a um quarto da população mundial –mais de 100 milhões de pessoas somente na Índia— já levaram à suspensão de operações em refinarias e siderúrgicas (Itália e Suíça foram os primeiros países a anunciar tais medidas), além de em inúmeras fábricas, incluindo grandes montadoras.

Ou seja, embora a produção mundial de aço bruto tenha crescido 2,8% em relação a fevereiro de 2019, o impacto da COVID-19 na Europa já deverá refletir nos números de março.

Com uma redução tão drástica na capacidade de processamento, grande parte da matéria-prima será estocada até que a demanda venha a se recuperar. Vale ressaltar que o fechamento de várias indústrias é temporário; a maioria está programada para reabrir em cerca de três semanas. A esperança é que os pacotes de estímulo formulados por governos como os da China, Estados Unidos e Europa levem a uma recuperação razoável da demanda.

Expectativa de recuperação

Tomando a China como exemplo de um país que parece já estar emergindo do outro lado desta crise, com a quarentena encerrada na província de Hubei, há algumas indicações de que a produção de aço vem subindo. Em primeiro lugar, de acordo com a World Steel, a manufatura chinesa de aço bruto cresceu 5% no mês passado em relação ao ano anterior. Em segundo, o estoque de minério de ferro da SteelHome nos portos do país eram os mais baixos em 30 meses (123,8 milhões de toneladas).

Enquanto isso, os estoques de sucata e de produtos de aço da CUSteel reportados pela SteelHome caíram 6% e 2%, respectivamente, durante o mesmo período (este último ainda é quase o dobro do nível observado no final de março de 2019).

Para tentar reaquecer a economia, Pequim anunciou um pacote de estímulo de 570 bilhões de dólares (apenas US$ 17 bilhões a menos do que o da crise de 2008). Desse montante, uma grande parte será destinada ao setor de infraestrutura. E, com a superpotência asiática responsável por cerca de 50% do consumo global de aço, talvez essa indústria consiga se segurar nos próximos meses, enquanto os países do hemisfério ocidental lutam contra o vírus.

Gráfico 2: Crescimento da manufatura chinesa de aço bruto versus oscilação do preço global de minério de ferro

Fontes: National Bureau of Statistics of China, Datastream, Refinitiv

Contrações nos EUA

Do outro lado do Pacífico, os Estados Unidos entraram em uma fase crítica, com rápida e ampla disseminação de Covid-19. Até 02 de abril (data da edição deste post), o país tinha 244.228 casos conhecidos, e 6.257 mortes. Em pouco mais de um mês, alguns estados entraram em isolamento e, como resultado, o nível de desemprego já atingia 4,4% da população até o fim de março, podendo atingir dois dígitos a partir de abril.

Em meio a esse cenário, o Índice de Gerentes de Compras (PMI, na sigla em inglês) da indústria dos EUA–que reflete a saúde do setor de manufatura no país com base em números de 400 empresas do setor industrial— deverá passar de uma contração de 7,4% em fevereiro (em relação ao ano anterior) para um tombo ainda maior em março.

Na semana passada, o Senado aprovou um estímulo inédito de 2 trilhões de dólares, com 500 bilhões destinados a resgates e empréstimos para as indústrias. Apesar disso, os Estados Unidos, responsáveis por 6% do consumo mundial de aço em 2018, provavelmente terá sua demada ultrapassada pela Índia, país que implementou severas restrições de circulação à população antes que o número de casos subisse, e até o momento não tem sido atingido tão dramaticamente pelo vírus.

Gráfico 3: Índice de Gerentes de Compras da indústria dos EUA versus preço global de minério de ferro

Fontes: IMF, Datastream, Refinitv

Possíveis efeitos colaterais dos estímulos

Em meio à crise, é óbvio que os países precisam de liquidez para que os bancos sustentem empréstimos e cortes de impostos, injetando dinheiro nas empresas. No entanto, há um lado negativo em estímulos propostos em tal escala.

Explica-se: como nunca houve uma ruptura simultânea na oferta e na demanda dessa magnitude na história (ainda é cedo para tentar quantificar), à medida que os governos se preparam para aumentar substancialmente os empréstimos, espera-se que os déficits disparem.

Além disso, não existe ainda uma ideia clara sobre o intervalo de tempo que haverá entre as injeções fiscais e a recuperação da economia, isso sem mencionar os riscos inflacionários e uma série de outras desvantagens associadas a essas intervenções.

Gráfico 4: Concessões e tomadas de empréstimos (líquidos) dos EUA e da China (2001 a 2018 e 2018 a 2024 –previsão).

Fontes: OCDE, Datastream, Refinitv

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