Mesmo com a pandemia dominando as manchetes globais, não devemos esquecer que a maior ameaça à humanidade ainda é a crise climática. Alessandro Sanos, diretor de desenvolvimento de mercado de commodities na Refinitiv, explica como ao salvar as baleias contribuímos para mitigar os danos ambientais, além de gerar benefícios econômicos e impacto nos preços do carbono.
- Em todo o mundo, reconhece-se a necessidade de adotar tecnologias de “energia limpa” e soluções que levem a um baixo índice de emissão carbono para transformar o setor. Além disso, muitos investidores estão focando em investimentos sustentáveis e seguindo princípios ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês).
- Na literatura científica recente temos várias análises sobre a capacidade da natureza de armazenar carbono na vegetação, solos e oceanos, amenizando a crise climática. E um white paper publicado por Ralph Chami, do FMI, apontou a relação entre uma maior população de baleias e os preços do carbono.
- O FMI estima que o valor econômico referente à toda população de grandes baleias do mundo seja de US$ 1 trilhão. Enfatizar os benefícios financeiros da conservação dessa espécie contribuirá para mitigar as mudanças climáticas, além de, obviamente, promover o crescimento das populações do mamífero.
Há poucos meses, a crise climática era um dos principais temas abordados em importantes eventos internacionais, como o Fórum Econômico Mundial, em Davos. Na pauta, estavam discussões sobre o futuro dos combustíveis fósseis, o desafio da energia limpa e o papel da descarbonização do transporte marítimo para a transição energética global. Era o assunto do momento.
Agora, avançando rapidamente para o presente (como em um filme), percebemos que a Covid-19 ofuscou a maioria das discussões sobre o meio ambiente. Atualmente, os governos estão concentrando seus esforços no combate à pandemia e em salvar vidas.
Investimentos sustentáveis
Mas, segundo Patricia Espinosa, secretária executiva de mudanças climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), não podemos esquecer que a crise do clima é a maior ameaça de longo prazo que a humanidade enfrenta.
Como já foi comprovado por inúmeros estudos científicos ao redor do mundo, o dióxido de carbono (CO2) contribui para o aquecimento global por meio do chamado efeito estufa. E, ao discutir as mudanças climáticas, costuma-se aceitar que poderíamos alcançar uma transição bem-sucedida para uma economia de baixa emissão de carbono se houver uma estreita coordenação entre as esferas da política, da tecnologia e do capital.
Entre as principais ferramentas políticas para se lidar com as mudanças do clima está a atribuição de um preço ao carbono. Isso é feito por meio de sistemas de comércio ou impostos sobre as emissões, além do fornecimento de créditos e subsídios fiscais para apoiar e estimular a demanda de tecnologias de energia limpa. Tudo que envolve energia limpa e soluções de baixo carbono representam uma oportunidade para apoiar a transformação do setor energético global.
Há também fortes evidências de que os investidores institucionais estão cada vez mais interessados em alinhar seus ativos e alocação de capital aos princípios de investimento sustentável e ESG.
Valor econômico dos ecossistemas
Três importantes pilares da sociedade –política, tecnologia e capital— podem contribuir para descarbonizar a economia global. Mas, dada a magnitude do desafio e a urgência de enfrentar as mudanças climáticas, talvez seja a hora de reconhecer que estamos demorando muito para ver os resultados. Portanto, precisamos adicionar um quarto pilar à equação: a própria capacidade da natureza de capturar carbono.
Na literatura científica recente, temos várias análises sobre a capacidade da natureza de armazenar carbono na vegetação, solos e oceanos. Mas essa narrativa de conservação não recebeu muita atenção entre os formuladores de políticas públicas, já que trata a questão mais como um problema ambiental, em vez de abordá-lo da perspectiva econômica.
Quando se concentram no valor econômico dos ecossistemas, os economistas desempenham o importante papel de incentivar uma reflexão sobre os custos da mitigação das mudanças climáticas.
Em um recente evento no escritório da ONU em Genebra, na Suíça, chamado Blockchain 4 Impact, participei de um painel com o diretor assistente do FMI Ralph Chami, que está por trás de um white paper inovador sobre a aplicação da ciência macroeconômica na população de baleias.
Legenda: Ralph Chami e Alessandro Sanos no evento Blockchain 4 Impact, nas Nações Unidas em Genebra
O seu estudo destaca a conexão entre os preços do carbono e uma crescente população de baleias. A abordagem de Ralph Chami permite que os governos comparem o potencial imediato (livre de custos) de captura de carbono das baleias com outros projetos de gerenciamento de CO2.
Como as baleias ajudam a reduzir os níveis de CO2?
É curioso, mas as baleias, de fato, capturam grandes quantidades de carbono. Segundo estimativas do FMI, as grandes baleias, em média, sequestram 33 toneladas de CO2 ao longo da vida, antes de suas carcaças finalmente afundarem no oceano. Dessa forma, elas conseguem retirar todo esse carbono da atmosfera por centenas de anos.
Além disso, a espécie desempenha um papel crucial para o aumento da produção de fitoplâncton, que, por si só, contribui com 50% da produção de todo o oxigênio da atmosfera e captura tanto CO2 quanto quatro florestas como a Amazônia.
Ou seja, se a população atual de grandes baleias tiver a chance de se recuperar, voltando ao que era antes da propagação de sua caça, a contribuição para o volume de fitoplâncton nos oceanos seria significativa.
Como mostram cálculos do FMI, um aumento de apenas 1% na produtividade dos fitoplânctons significaria centenas de milhões de toneladas adicionas de CO2 capturadas a cada ano. Para se ter uma ideia, isso seria o equivalente ao surgimento repentino de dois bilhões de árvores maduras a cada ano.
E, se nos basearmos no preço de mercado do carbono, com a estimativa científica sobre a contribuição das baleias para o seqüestro de CO2 e o impacto positivo para a pesca e o ecoturismo, o FMI projeta o valor médio de uma grande baleia em mais de US$ 2 milhões (ou US$ 1 trilhão para a população global).
Legenda: ECX EUA (contratos para dezembro).
Fonte: Eikon
Embora a análise do FMI ainda não tenha sido publicada em um artigo científico revisado por pares, determinar o valor monetário das baleias é um argumento bastante convincente para protegê-las, não?!
Bom negócio
Diante deste novo white paper, os órgãos formuladores de políticas públicas já podem comparar o retorno do investimento na estratégia de proteção de baleias –sem emprego de nenhuma tecnologia— com outras soluções propostas para mitigar o aquecimento global, que costumam ser complexas, caras e, além de tudo, sem comprovação.
Como a concentração de CO2 na atmosfera está aumentando rapidamente, é essencial reformular a narrativa corrente sobre a conservação de baleias. Em vez de simplesmente ancorá-la em emoções, devemos passar para o argumento do valor econômico de sua contribuição para a mitigação das mudanças climáticas.
Provavelmente, o “preço” das baleias subirá ao longo do tempo, pois o crescente impacto das alterações do clima na economia global deverá aumentar a cotação de longo prazo do carbono.
Preço do carbono: o que vem por aí
No curto prazo, o efeito cascata provocado pelo novo coronavírus e as medidas de distanciamento social tiveram impacto sobre o mercado de carbono. Os preços das permissões de emissão de carbono (carbon emission allowances) despencaram no final de março, depois se recuperarando para cerca de 20 euros por tonelada.
No prognóstico de preços para os EUA até 2030, a equipe responsável pela Refinitiv Carbon Research teve de revisar as suas previsões anteriores de emissões de RCLE UE e também as estimativas de preços dos EUA. Agora, a nova projeção é de que as emissões caiam 14% este ano em comparação a 2019.
No geral, para o período de 2021-2030, esperamos que o preço do CO2 nos EUA seja em média de 20 euros por tonelada, ou 6,8 euros abaixo do preço anterior previsto em janeiro.
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Assista o vídeo: Financial markets should prepare for a $4 trillion carbon correction
O mundo emitiu o equivalente a cerca de 55 giga-toneladas de dióxido de carbono (ou CO2) no ano passado, o nível mais alto da história da humanidade.
Nossa análise de correção de carbono mostra que apenas 20% dessas emissões foram tributadas, e em um valor médio que a maioria dos economistas e cientistas especializados em clima afirma ser muito baixo para causar algum impacto.
Se todas essas 55 giga-toneladas de CO2 fossem tributadas a US$ 75 a tonelada (quantia que o FMI considera necessária para limitar o aumento de temperatura a dois graus), isso geraria uma ‘lacuna de carbono’ de quase US $ 4 trilhões, equivalente a 4% da produção mundial do PIB.