Se a “pseudo-riqueza” é uma fonte de volatilidade econômica muitas vezes inexplicada, prepare-se, pois a montanha-russa financeira que acompanha a pandemia reserva aos investidores experiências alucinantes.
A teoria da “pseudo-riqueza” (“pseudo wealth”, em inglês) –desenvolvida pelos economistas Joseph E. Stiglitz, Nobel de Economia em 2001, e Martin M. Guzman— defende a ideia de que o consumo das pessoas é alterado por suposições de futuros ganhos ou perdas resultantes de investimentos e apostas em ativos.
Ao contrário de outros modelos econômicos que recorrem aos mistérios do espírito animal ou a ganhos patrimoniais para explicar os insondáveis altos e baixos, este se baseia no fato de não haver quaisquer sentimentos compartilhados a provocar as oscilações. Neste modelo, são justamente as diferentes crenças sobre o futuro que estimulam a especulação com os preços dos ativos, motivada pelas próprias divergências entre as expectativas.
Ou seja, quanto maior o desencontro de expectativas, mais forte será o potencial de turbulência econômica, mesmo na ausência de qualquer tipo de “choque”. E essa situação acarretaria no rompimento de bolhas financeiras e/ou aprisionaria economias em recessões.
Ideia artificial de valor
Em um artigo publicado na semana passada, Stiglitz não fez referências a eventos recentes, mas disse que quando há oportunidades suficientes para a negociação de ativos e grande dispersão de crenças, a percepção de valor dos investidores pode se desvincular (perigosamente) tanto do preço dos ativos nos mercados quanto da situação econômica.
A valorização surpreendente, e às vezes intrigante, de ações de empresas de tecnologia ou de criptomoedas –que no ano passado alçou as cotações a níveis sem precedentes durante uma das maiores recessões globais da história— é uma mostra disso, mesmo que se argumente que essa foi uma resposta racional a lockdowns, gastos fiscais e empréstimos historicamente baratos. Mas foram as manobras das últimas semanas com small caps que realmente nos mostram que há uma disseminação de ideias divergentes em meio a uma nova tempestade de volatilidade no mercado.


Tempestade de volatilidade
Se tomarmos como medida os vários fechamentos acima de 30% do índice VIX de volatilidade implícita do S&P500, vemos que ocorreram quatro episódios desse tipo em apenas 12 meses (gráfico acima). Já os quatro picos anteriores demoraram 10 anos para acontecer.
E, ainda mais importante: o VIX não cai abaixo de sua média de 30 anos desde 21 de fevereiro de 2020.
Claro que choques financeiros provocados por uma pandemia teriam condições de fazer isso. Porém, a última nuvem de angústia sobre o mercado não se baseia em fundamentos que podem estar relacionados a nenhuma recessão ou recuperação econômica. Em vez disso, o que temos visto é muito mais um jogo especulativo entre apostadores individuais (geralmente amadores) e grandes firmas de Wall Street sobre ações desvalorizadas de empresas em dificuldades e áreas de negociações já superexploradas.
Será que devemos nos preocupar com esse embate ou ele não dará em nada? E o que tudo isso nos diz sobre a “pseudo-riqueza” à solta?
Alguns acreditam que a volatilidade e o frenesi especulativo são apenas sintomas de crédito barato, dinheiro em excesso e das parcelas de auxílio financeiro disponibilizadas pelos governos para ajudar a população durante os lockdowns. Ou seja, seria o caso de pessoas com capital demais correndo atrás de um “dinheirinho” rápido sem medir as consequências.
Já outros vêem isso como um sinal de mudança de poder nos mercados financeiros: pequenos investidores tomando o controle das mãos de grandes corretoras e fundos de hedge e realizando transações altamente lucrativas.
O Federal Reserve, no entanto, parece disposto a rejeitar essa segunda ideia. Ecoando o que já havia dito o chefe da instituição, Jerome Powell, o presidente do Fed de Minneapolis, Neel Kashkari, afirmou que os episódios recentes não tiveram nada a ver com a política frouxa do banco central norte-americano, e que os mercados de ações sobem e descem o tempo todo por uma série de razões, como um grupo de especuladores lutando contra outro. “Se eles ganharem dinheiro, ótimo. Se perderem, fica por conta deles”, disse Kashkari.
Mas na sequência, Robert Kaplan, presidente do Fed de Dallas, já recuou um pouco e disse que pode ser prudente reconhecer que o que se viu no mercado tem, sim, um pouco a ver com a inundação de liquidez.
Em meio a esse panorama, muitos economistas que atuam no setor financeiro consideram uma atitude muito blasé por parte dos formuladores de políticas simplesmente ignorar estouros de microbolhas. Eles insistem, por sua vez, que há potenciais consequências econômicas nesses episódios. “Embora poucas pessoas tenham sido afetadas, a aversão ao prejuízo irá elevar de forma exagerada a escala de suas perdas”, disse Paul Donovan, do UBS. “E, claro, de modo geral, isso é tirar dinheiro de muitos e entregá-lo a poucos”, completou.
Para Joseph E. Stiglitz, oscilações na “pseudo-riqueza” não podem ser tratadas apenas como ruído, pois têm implicações na política econômica –e, apesar de não influírem diretamente na política monetária, elas afetam a regulamentação da especulação.
“Ao ampliar as oportunidades de ‘apostas’, da forma que a liberalização financeira e as finanças estruturadas permitiram, podemos aumentar o nível e a volatilidade da pseudo-riqueza”, escreveu ele. “E, apesar de a maior facilidade de realizar vendas a descoberto possa reduzir a volatilidade dos preços do mercado, ela também tende a aumentar a volatilidade da pseudo-riqueza”, ressaltou.
Na batalha da GameStop –entre fundos de hedge de venda a descoberto e multidões de usuários do Reddit usando sofisticadas opções em apps de negociação—, as vias de especulação se abriram muito além de Wall Street.
Muitos desdenham das opções de investimento de varejo, como se não passassem de bilhetes de loteria comprados com alguns trocados, daqueles que você pode se dar ao luxo de perder se o seu número não for sorteado. Mesmo assim, todos parecem chafurdar em considerável “pseudo-riqueza” quando um ou outro grupo sai perdendo.
Em tempo: se o que estiver em jogo forem apenas small caps vendidas a descoberto, o choque financeiro pode ser fácil de absorver. Mas, se estivermos falando do mercado de ações mais amplo e em altas recordes, aí então os reguladores vão precisar se debruçar sobre a situação com bastante cuidado e atenção.

Este artigo foi publicado originalmente no Refinitiv Eikon.
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