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É hora de comprar títulos?

Mike Dolan
Mike Dolan
Reuters Editor-at-Large for Finance & Markets

Em meio à queda das ações e da subida da inflação e das taxas de juros, Mike Dolan, editor-geral de finanças e mercados da Reuters, faz uma análise das perspectivas para os títulos.


  1. Com a intensa queda nos preços causada pelos seguidos apertos do Banco Central norte-americano, comprar títulos neste momento pode parecer estranho. Mas, por isso mesmo, pode ser o certo a se fazer.
  2. Os mercados financeiros são cheios de velhos ditados (muitas vezes contraditórios) e de pretensas pérolas de “sabedoria”, como “seja ganancioso quando os outros estão com medo”, “mas não tente pegar uma faca enquanto ela estiver caindo”.
  3. Há, certamente, um fundo de verdade em todos eles, mas esses ditados se aplicam a diferentes tipos de poupadores, traders ou gerentes de investimento –cada um com um horizonte e apetite de risco distinto.

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O autor é editor-geral de finanças e mercados da Reuters News. Quaisquer opiniões expressas aqui são suas.

No momento, qualquer um que opte por títulos como alternativa “segura” para os preços das ações –que não param de cair—, provavelmente está tendo algum prejuízo. Isso porque a inflação e as taxas de juros, em disparada, têm feito a cotação dos títulos despencar juntamente com os mercados de equities.

Para se ter uma ideia da situação, mesmo os Exchange Traded Funds (ETFs) investidos em títulos do Tesouro dos EUA com vencimentos relativamente curtos, de 1 a 3 anos, estão no vermelho (tanto no terceiro trimestre quanto no acumulado do ano). Já os ETFs em títulos do Tesouro de longa duração, entre 7 e 10 anos, desvalorizaram mais de 15% em 2022.

E, para os índices de títulos soberanos estrangeiros em dólares, que sofrem ainda mais com a moeda norte-americana em alta, o tombo foi de quase 24% –ainda pior do que os 19% do S&P500 no acumulado do ano.

Ou seja, em vez de funcionarem como proteção para os portfólios, esses movimentos transformaram os títulos em “alimento” dos fundos de hedge.

Sim, porque para os fundos especulativos que operam nos mercados futuros, os bonds são hoje o grande trunfo do ano, com as apostas contra títulos do Tesouro de dois anos tendo chegado ao patamar mais alto em quase dezoito meses nas últimas semanas. E com as apostas líquidas contra os papéis de longo prazo no maior nível em um ano antes da reunião do Fed da semana passada.

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Rendimentos anuais em recuperação

A conhecida exortação poética do escritor britânico Rudyard Kipling (1865-1936), que aconselha a manter a calma quando todos ao redor estiverem fazendo o oposto, serve para aqueles gestores de ativos de longo prazo mais interessados ​​em rendimento e retorno do que em preço.

Com rendimentos mais altos, os retornos anuais esperados para o próximo período melhoraram de forma significativa. E embora, em geral, as cotações das equities tenham caído, seu valor relativo em relação aos títulos não diminuiu.

Fonte: Refinitiv Eikon (20 September 2022)
Fonte: Refinitiv Datastream (19 September 2022)

Era da confusão

Em seu mais recente relatório anual sobre os rendimentos esperados para títulos de cinco anos, a empresa de gestão de investimentos holandesa Robeco descreve o período à frente como a “Era da Confusão”.

Para a Robeco, os mercados estiveram desorientados por causa de vários choques recentes, situação que foi agravada por uma falta de compreensão da inflação e pela mudança da política monetária –e tudo isso enquanto se debatia se a chamada “Grande Moderação”, caracterizada por inflação e taxas de juros estruturalmente baixas, realmente teria chegado ao fim.

Esse alto nível de incerteza está refletido no dobro de volatilidade que vemos nas estimativas de analistas para os ganhos globais de doze meses na comparação com os níveis pré-pandemia.

“No entanto, as ações continuam historicamente caras, e hoje é mais complicado argumentar que faltam alternativas”, avalia a Robeco.

Segundo a gestora holandesa, com o aumento dos rendimentos governamentais “livres de risco”, o prêmio (estimado) de risco de ações para um investidor baseado em euro está hoje em 3% –abaixo da média de longo prazo de 3,5% pela primeira vez nos doze anos de publicação do relatório anual. “Isso ocorre, em parte, porque prevemos uma mudança de nível na volatilidade do consumo, o que garante um prêmio de risco de ações de médio prazo mais alto do que o atualmente refletido pelo mercado.”

Embora isso não represente exatamente um chamado para a aquisição títulos, para os quais a Robeco ainda prevê rendimentos e prêmios abaixo do “estado estacionário”, os analistas da gestora os veem, sim, como “substancialmente mais baratos” e melhoraram em 1,5% a previsão de retornos anualizados de cinco anos para títulos soberanos de economias desenvolvidas com hedge de euro. Isso reduziu os rendimentos esperados para ações em 0,25%

“Para alegarmos que há mudanças de paradigma em curso, temos que dar provas sobre o que estamos afirmando. E podemos dizer que encontramos evidências insuficientes para concluir que estamos perto de um ponto de inflexão em que a reflexividade deixa a inflação nas economias desenvolvidas fora de controle”, concluiu a gestora, reconhecendo vários cenários concorrentes.

Divergências de opinião

Outras gestoras de investimento, contudo, são mais diretas a respeito dos títulos como opção para proteger investimentos mistos.

Este mês, por exemplo, a equipe global de alocação de ativos do Société Générale aumentou os títulos em cerca de 5 pontos percentuais (para 33%) em suas carteiras de ativos mistos, fazendo assim com que os bonds dos EUA chegassem a um quarto da sua alocação geral. O peso adicional, entretanto, foi protegido em euros, já que o SG não desejava elevar a exposição em dólar, que já estava alta (53%).

“A credibilidade do Federal Reserve continuará a ancorar as expectativas de inflação abaixo de 2%”, escreveu a equipe do SG. “De fato, consideramos os títulos do Tesouro dos EUA um dos raros ativos que já precificaram muitos dos riscos à frente.”

Confuso? Bem, os quase 4% de rendimentos nominais dos créditos do Tesouro dos EUA ao longo de dois anos, ou os mais de 3,5% por 10 anos, podem ser argumento suficiente para que os bancos reconstruam suas carteiras mistas com 60% de ações e 40% de títulos que vêm sofrendo tanto em 2022.

Como disse no início deste mês o diretor de investimentos da Pictet Wealth Management, Cesar Perez Ruiz, 2023 pode ser a vingança dos 60/40.

Gráfico da Robeco de histórico de alocação de ativos

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