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Em tempos de guerra na Ucrânia, como decifrar o caótico mercado global de energia?

Jharonne Martis
Jharonne Martis
Director, Consumer Research, Refinitiv

Diante do prolongamento da guerra entre Rússia e Ucrânia e do impacto que o conflito tem exercido sobre as relações tradicionais de preços de energia, é necessário recorrer a fontes de dados alternativas e granulares para compreender um mercado que se torna cada vez mais atribulado e complexo.


  1. Relatórios mais granulares sobre movimentações (físicas) das commodities, além de fontes de dados não estruturados, como mídias sociais, deverão desempenhar um papel cada vez mais importante nos mercados de energia.
  2. Indicadores de sentimento derivados de dados de notícias não estruturados –como feeds de mídia social, blogs e sites– vêm sendo bastante utilizados ​​para ajudar a identificar as altas e baixas dos mercados. Isso é possível porque determinados padrões nesses dados costumam antecipar movimentos de preços, especialmente em momentos de grande virada das cotações.
  3. Dados da Refinitiv mostram que, desde o início da guerra na Ucrânia, as margens de lucro das refinarias aumentaram para até US$ 50 por barril, um salto de 500% em relação aos níveis normais. Em paralelo, houve outros fatores que contribuíram para o aperto dos preços de energia neste ano.

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Em um intervalo de apenas dois anos, os mercados internacionais de energia trocaram a abundância pela escassez. Quem não se lembra de abril de 2020, quando os preços spot do petróleo chegaram a entrar em terreno negativo porque o surto de coronavírus havia interrompido a maioria das viagens no mundo?

Sim, fomos de um extremo a outro em pouquíssimo tempo. Em março deste ano, a eclosão da guerra na Ucrânia fez com que as cotações do petróleo bruto, gasolina e diesel subissem a níveis que não eram vistos há anos.

Afinal, a Rússia, alvo de sanções sem precedentes por parte dos EUA e da União Europeia em resposta à invasão da Ucrânia, ainda é a maior fornecedora de commodities do mundo.

MarketPsych Analytics da Refinitiv: rastreamento em tempo real de dados de sentimento de notícias e mídias sociais

Falta de investimentos contribui para alta de preços

Além da guerra, um importante fator que contribuiu para o salto no valor da energia foi a falta de investimento em refinarias de petróleo nos últimos anos, o que foi motivado, em grande parte, pela tendência mundial de transição de combustíveis fósseis para fontes de energia mais limpas. E, para piorar a situação, na época em que se deu a invasão da Ucrânia pela Rússia e tivemos de tomar medidas urgentes para punir o governo de Vladimir Putin, o mundo estava justamente se recuperando dos efeitos da pandemia e a demanda por petróleo e gás voltava a subir.

Diante desse cenário, os mercados de energia entraram em pânico. O choque de preços foi especialmente severo nos mercados de gás natural europeu e asiático, com a cotação dos contratos de entrega de curto prazo aumentando em seis vezes em poucas semanas.

Salto nos preços do gás europeu (TTF) e asiático (TR NE Asia)

Mercado complexo

Essas drásticas oscilações nos preços são, no entanto, apenas uma parte da cada vez mais complexa realidade do mercado global de energia. “Todos nós nos concentramos nos contratos de petróleo WTI e Brent, mas existem centenas de mercados de petróleo bruto, e todos eles são negociados com prêmios ou descontos”, disse Simon Wilson, chefe de mercados de petróleo da Refinitiv, durante um recente painel de discussão sobre o tema.

Enquanto o petróleo bruto dos Urais –que é a referência para o petróleo russo exportado para a Europa– teve um desconto de US$ 35 por barril em relação ao Brent no início de abril, refletindo as sanções impostas à Rússia, o da África Ocidental teve uma valorização de US$ 7 por barril.

Como as refinarias em todo o mundo são otimizadas para um tipo específico de petróleo bruto (com densidade e teor de enxofre distintos), a interrupção repentina dos fluxos do produto russo para as instalações da Europa Ocidental causou uma disputa por outros tipos de crude –como os produzidos na África– que pudessem substituir a mercadoria dos Urais.

Desvio das exportações russas para países do leste

Enquanto isso, houve uma grande mudança geopolítica, com China e Índia se recusando a apoiar as sanções dos EUA/Europa à Rússia e continuando a comprar commodities da superpotência.

Como resultado, as exportações russas de petróleo foram desviadas para o leste: dados da Refinitiv que rastreiam os fluxos de carga para portos e refinarias apontam um aumento na atividade nessa região no primeiro e segundo trimestres de 2022. Para se ter uma ideia, os volumes de petróleo bruto dos Urais descarregados na Índia aumentaram mais de seis vezes entre dezembro de 2021 e abril de 2022.

Petróleo russo destinado às refinarias indianas

Fonte: Refinitiv

De acordo com Simon Wilson, os analistas têm se dedicado a decifrar detalhes físicos (e sutis) dos fluxos globais do mercado de petróleo. “Nossos clientes querem saber qual é o verdadeiro teor do petróleo que está chegando em determinadas refinarias, em que níveis estão sendo substituídos por outros produtos e qual é a margem de refino, não apenas no que diz respeito aos países, mas também a cada refinaria”, explica.

O interesse dos investidores nesses tópicos não é nenhuma surpresa. Isso porque dados da Refinitiv revelam que após o início da guerra na Ucrânia as margens de lucros das refinarias chegaram a crescer em até US$ 50 por barril, um aumento de 500% em relação aos níveis normais.

Oscilação nas margens de lucro das refinarias

Fonte: Refinitiv

Indicadores de sentimento para captar tendências de mercado

Tecnologias alternativas têm ajudado a esclarecer a dinâmica dos preços nos mercados de energia.

Os indicadores de sentimento derivados de dados de notícias não estruturados, como feeds de mídia social, blogs e sites, são cada vez mais usados ​​por analistas para ajudar a identificar as altas e baixas dos mercados. Isso é possível porque determinados padrões nesses dados costumam antecipar movimentos de preços, especialmente em momentos de grande virada das cotações.

Como explica Josh Clark-Bell, pesquisador quantitativo do MarketPsych, esta guerra, da Ucrânia, gerou os sinais mais fortes já vistos em vários anos no índice de “violência” do MarketPsych –uma medida da frequência relativa de termos relacionados à violência em feeds de notícias em tempo real. “A guerra entre Rússia e Ucrânia foi o evento de violência mais referenciado nos últimos vinte anos”, afirma Clark-Bell.

Por exemplo, um alerta de violência nos dados de sentimento do petróleo do MarketPsych é acionado quando a commodity está experimentando altos níveis de texto violento em relação ao normal (mais especificamente, sempre que o índice de violência do dia para o petróleo bruto sofrer um desvio de 1,5 acima da média).

No gráfico abaixo, períodos de “alta violência” no passado são mostrados em sombreado vermelho. Curiosamente, um sinalizador de violência geralmente é ativado antes das datas em que determinados eventos históricos são relatados. E, como se vê, um alerta de violência muitas vezes coincide com as reversões do mercado (em ambas as direções).

Alertas de violência do petróleo do MarketPsych destacam os momentos de virada das cotações

Fonte: MarketPsych

Cada vez mais participantes do mercado de energia estão prestando atenção a essas fontes não tradicionais de informação. Por isso, acreditamos que daqui em diante, relatórios mais granulares sobre movimentos de mercadorias físicas, bem como fontes de dados não estruturados –entre elas mídias sociais—, vão desempenhar um papel de crescente importância nesse setor.

“O emprego de dados alternativos nos mercados de energia só irá aumentar”, diz Simon Wilson, da Refinitiv. “E veremos cada vez mais a relação dos mercados físicos e do trading de ações com esses indicadores que estamos descobrindo. ”

MarketPsych Analytics da Refinitiv: rastreamento em tempo real de dados de sentimento de notícias e mídias sociais