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Monopólio das megaempresas sobre os mercados prejudicam a política monetária

Mike Dolan
Mike Dolan
Reuters Editor-at-Large for Finance & Markets

Se a tática adotada pelos bancos centrais por mais de uma década –de taxas de juros zero e trilhões de dólares em compra de títulos— não conseguiu promover crescimento e elevar a inflação, uma política monetária mais rígida pode ser igualmente ineficiente nesse sentido.


  1. Nova pesquisa do Fundo Monetário Internacional (FMI) levanta preocupações sobre como poderosas corporações estão atenuando o impacto da política monetária dos bancos centrais.
  2. O documento do FMI mostra que as megaempresas com posições dominantes no mercado são relativamente insensíveis a políticas de crédito. Ele também indica que a pandemia de Covid-19 acabou por exacerbar o problema, já que as companhias maiores conquistaram mais participação de mercado conforme suas rivais menores foram falindo.
  3. Os autores do estudo recomendam que os bancos centrais (BCs) resolvam esse dilema por meio de concorrência e de regulamentação antitruste.

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Uma recente pesquisa conduzida pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) aponta que o crescente domínio de um número cada vez menor de grandes empresas pode minar o impacto das políticas dos bancos centrais sobre os preços e, consequentemente, a atividade econômica geral.

Essa descoberta vem de encontro às preocupações dos especialistas com o fato de que a maior concentração de megaempresas nas economias, sobretudo em meio à revolução digital, significa que essas abastadas organizações são também menos sensíveis aos mercados de crédito e a empréstimos bancários –principais canais pelos quais as políticas dos bancos centrais afetam a atividade econômica.

E as implicações podem ser enormes.

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Aperto da política monetária

Se os índices de crescimento forem significativamente mais altos nos próximos anos e a inflação continuar subindo bem acima das metas dos bancos centrais por anos, os BCs serão obrigados a apertar ainda mais a política monetária e a aumentar as taxas de juros?

Ou se, assim que se recuperar da pandemia, o mundo desenvolvido retomar o ritmo de “estagnação secular” que imperou por mais de uma década, quão drásticos os BCs terão que ser para evitar uma nova deflação?

“O poder de mercado das empresas amortece o impacto que as políticas monetárias poderiam ter sobre sua produção”, concluiu o estudo coordenado pelos economistas Romain Duval, Davide Furceri, Raphael Lee e Marina Tavares, todos do FMI. “Companhias cada vez maiores e mais poderosas estão fazendo com que as políticas monetárias sejam uma ferramenta menos potente para regular a atividade em economias avançadas”, disse um post sobre a pesquisa.

Assista: “Did Central Banks Stop the Reset? | The Big Conversation | Refinitiv”

Como as megaempresas respondem às mudanças na política monetária?

O estudo, que exigiu a análise de pilhas e pilhas de dados de organizações norte-americanas, além de outras quatorze economias desenvolvidas, analisou o impacto de mudanças nas políticas monetárias sobre a “margem de lucro” de uma empresa –ou da margem entre os preços de venda e os custos.

O conceito é direto: firmas que apresentam lucros e margens maiores por dominarem o mercado têm menos necessidade de apelar a crédito e são relativamente insensíveis às políticas referentes a isso. E, quanto mais dessas companhias dominarem a atividade econômica agregada, maior o problema para os bancos centrais.

Apesar de os economistas já desconfiarem disso há algum tempo, a grande novidade é que agora uma análise de dados realmente comprovou o fato.

Em relação às empresas dos EUA, o estudo descobriu que um aumento de 100 pontos-base na taxa de juros do Fed levou as firmas com margens de lucro baixas a reduzir as vendas em 2% após um ano, mas não houve nenhuma consequência para a produção daquelas com altas margens.

Os economistas do Fundo Monetário Internacional (FMI) também citaram outra pesquisa da entidade que mostra que as margens de lucro corporativo globais entre as empresas de capital aberto subiram cerca de 30% (em média) desde 1980 –algo que, diga-se, ocorreu duas vezes mais rápido nos setores digitais.

Eles ainda afirmam que a pandemia provavelmente amplificará essas tendências, já que grandes corporações ganharam participação de mercado às custas das rivais de menor porte que foram à falência. Como exemplo, os especialistas do FMI apontam para os astronômicos rendimentos –entre US$ 150 bilhões e US$ 200 bilhões— das gigantes de tecnologia Apple e Alphabet.

Concorrência e regulamentação antitruste

O impasse dos bancos centrais parece claro. Ou seja, se eles apertarem demais a política monetária para esfriarem a atividade econômica no futuro, podem acabar desestabilizando ou desequilibrando as economias e atingindo empresas menores e famílias mais pobres de forma desproporcional. E, se afrouxarem muito, correm o risco de explodir bolhas de ativos e minar a estabilidade financeira.

Uma solução óbvia, de acordo com os autores do estudo, é dobrar a regulamentação antitruste e da concorrência, desafiando as empresas dominantes, práticas monopolistas ou oligopólios de forma mais direta, enquanto se examinam mais a fundo possíveis fusões e aquisições. “Limitar o poder do mercado corporativo não apenas apoiaria diretamente a recuperação, estimulando o investimento, a inovação e melhores salários, mas também, de forma indireta, tornaria a política monetária mais poderosa”, escreveram os economistas do FMI.

A China já se encontra no meio de uma ampla campanha antitruste em seu setor de tecnologia; e os reguladores da União Europeia continuam a criticar as práticas da Big Tech na região.

Assim, na esteira desse movimento, as medidas antitruste e de regulação da concorrência ganharam rapidamente destaque na lista de prioridades da nova administração dos Estados Unidos.

No início deste mês, o presidente norte-americano assinou uma ordem executiva abrangente para estimular a concorrência na economia do país, incluindo um apelo às agências reguladoras a fim de aumentar o escrutínio das fusões que deixaram setores importantes, como tecnologia e saúde, na mão de poucos players.

No segundo trimestre deste ano foram anunciados quase US$ 700 bilhões em M&As nos EUA, a maior soma já registrada, e o frenesi nesse segmento provavelmente continuará a ser alimentado por altos níveis de caixa que grandes empreses acumularam durante os lockdowns impostos pela pandemia.

Não está claro se as medidas antitruste propostas nos Estados Unidos e em outras regiões serão suficientes para resolver o problema delineado pelo estudo do FMI. Mas o lado bom de tudo isso é que agora, devido aos gargalos de fornecimento, as empresas com altas margens de lucro e boas reservas de caixa talvez estejam mais aptas a absorver custos salariais e os aumentos nos preços dos insumos gerados pelos lockdowns. E, ao não repassar esses custos aos clientes, elas poderiam ajudar a manter a inflação sob controle.

Entretanto, para os bancos centrais –que ainda estão confusos sobre por que suas vigorosas políticas monetárias da última década surtiram efeito menor do que o esperado—, o poder das megaempresas provoca mais uma reviravolta nessa história.

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